Iam em fila indiana
Iam em fila indiana. Os olhos muito grandes, muito abertos. Olhos de querer aprender. Estava frio. Iam agasalhados, alguns com o pingo no nariz. Iam de mãos dadas. Mãos muito pequeninas. Eles muito pequeninos. Uma fila encantada. As educadoras abriam e fechavam a fila. Estavam junto à porta dos correios. Tinham colocado uma carta, que alguém lhes tinha escrito, com os pedidos para o pai natal.
«Agora vamos ver como o senhor tira dali a carta para levar ao pai natal.»
Dizia uma das educadoras e lá foram. Algum frio e alguma esperança. Tão bonitos e tão enganados aqueles meninos. «Aprender a sonhar.»
Dirão alguns.
«Tretas.»
Digo eu.
Não gosto do pai natal. Nunca comi carne de rena. Não tenho campainhas, não uso barbas postiças. Não sei fazer aquele grito bacoco que inventaram para a triste figura. Nunca me visto de encarnado.
Só uma coisa me preocupa. Como tenho a barba branca, o cabelo comprido (e também branco), uso um gorro e estou anafado, há muitos miúdos que me confundem com o pai natal. Só lhes aceno e me rio. Não há nada a fazer. Com tanto pai natal por todo o sítio, espero que não seja a mim que me venham pedir justificações pelo brinquedo que pediram e não receberam. Pelo sim, pelo não, a seguir ao natal uso a barba mais curta e tento fazer dieta. (A dieta foi promessa feita ao meu médico.)
O pai natal é uma multinacional, com franchisings por todo o lado. Uma farsa bem montada. Laços, laçarotes e coisas inúteis. Há “castings” para ser pai natal. Não há espaço de grande consumo que não contrate um. Estão por todo o lado.
Foram pôr a casa do pai de todos os pais natal num sítio frio e distante, na Lapónia. Há quem lá vá com os miúdos. Uma suprema crueldade. Já não basta o que basta. Um frio danado e o bafo dos animais com cornos.
As crianças são chantageadas com estórias do papão:
«Porta-te bem, olha que depois o pai natal não te traz nada.»
A estas e outras “tangas”, são sujeitas as pobres criancinhas. Assim passam um tempo de medo, quase sem falar, até chegar a noite de todos os sinos e todos os coros.
Os chineses invadiram o mercado com pais natal insufláveis. Um negócio florescente. Por todo o lado vimos a insuflável criatura, pendurada em chaminés, varandas, janelas e outros locais. Uma epidemia. Alguns perdem ar, minguam e perdem a graça. Muitos ali morrem, caiem despedaçados no frio. Restos de plástico. A falta do controlo de qualidade.
«Compraste no chinês, que é que querias?»
“Vox populi”.
Já vi miúdos a chorarem ao colo de um falso pai natal para tirarem uma foto. Uma maldade sem nome. Gostava de saber o que vão dizer quando, mais velhos, virem a foto.
As renas. Já viram renas sem ser no Jardim Zoológico? Os trenós, onde estão? Abram a pestana miúdos!
Só se forem para as tais terras frias e fora de mão, poderão experimentar as tão badaladas aventuras. Mas vão com roupa quente. Tenham cuidado com as renas.
Se o pai natal entra pela chaminé que lhe acontece quando cai na lareira, ou na água a ferver do bacalhau com couves? Outro mistério.
Daqui a uns dias não se pode ir a lado nenhum. Está tudo infestado de glutões que compram o que precisam e o que não lhes faz falta. Os embrulhos bonitos. O saldo do cartão de crédito esgotado. As fitas coloridas. A árvore engalanada. Um gato a brincar com as bolas. Um par de meias para o avozinho. A rifa para a ambulância dos bombeiros. Outra para um cabaz de natal. A lotaria. O “El Gordo”. Ainda se lembram do sorteio da Eva? Saía uma casa. Toda a gente comprava.
Sou do tempo do menino Jesus. Do sapatinho na chaminé. Da longa noite de espera para receber um brinquedo de manhã. De ouvir muitas vezes:
«O menino Jesus este ano estava pobrezinho e são muitos meninos para receber prendas.»
Um carro de lata. Que alegria!
Hoje ainda há muito menino sem natal. Há fome e solidão.
Tenho de fugir daqui. Para onde?
«Olha que tu! Agora embirras com o Pai Natal? As crianças gostam da história. Das prendas.»
Voz da Isaurinda.
«Que queres? Sabes que esta época me põe nervoso, um pouco fora de mim.»
Respondo.
«Tu tem mas é tento nessa cabeça. Andas a ficar esquisito.»
De novo Isaurinda e vai, o pano na mão.
Jorge C Ferreira Dez/2017(149)
Será caso para dizer: ainda sou do tempo do sapatinho na chaminé, que a noite nunca mais acabava, a ânsia de ir ver o que deixava o menino jesus…a maiorparte das vezes roupa, não se podia comprar em meses que não havia subsídio. Mas também havia um brinquedo, as panelas pequeninas de alumínio, o fogão de plástico,…era mesmo dia de festa! Que tempos felizes aqueles! Voltei á minha infância com este belo texto.
Belo texto, amigo Jorge. Infelizmente esta época convida a muitos para o consumismo desenfreado no intuito de escolher o melhor e mais caro dos presentes , como se fosse uma competição entre famílias. Hipocrisia e solidão para muitos. Na minha casa nós e os filhos nos reunimos com muitos afectos, e recordações festejamos o Natal com a árvore de Natal, arroz doce e filhoses e o Menino Jesus fica na minha memória de infância. Um abraço para si poeta, cheio de afecto e felicidades nesta época natalícia.
Obrigado Ana. Vivam os afectos. Como o simples é difícil. Abraço
Amigo Jorge! Tanta verdade neste texto! Eu também tinha a tradição do menino Jesus, e gistava dessa magia, mas já na altura eu e os meus irmãospor vezez nos interrogavamos, porque nis portavamos bem e as prendinhas eram tão poucas, comparativamente com outros que conhecíamos e se pirtavam pior, e tinham tantos presentes! Por isso, apesar da magia que pods ter o Natal para as crianças….prefiro sempre a verdade! Ainda assim nós ficávamos felizes com pouco! Hoje, as crianças têm tudo….os adultos também….e só o consumismo conta!
Por mim, o Natal é triste….com saudades d minha querida filha que partiu prematuramente….se pudesse desaparecia dursnte tida esta época! Mas não posso….e os meus filhos e netinha ezperam2 de mim mais alegria do que posso dar…vou sempre tentando ….dou o meu melhor! Mas tudo tem um custo!
A única cois boa do Natal é a reunião da família….a pissivel…..
Grande abraço Jorge! Co tinue a dar-nos o ptesente maravilhoso dos seus textos!
Obrigada
Obrigado Raquel. A magia da amizade. Tudo o que cabe num abraço. Abraço para si.
Que texto tão engraçado! Também gosto mais do sapatinho e do menino Jesus, fui criada assim. A nossa geração era assim. Mas, mudam-se os tempos…Fazer o quê?! Protestar! Como fez hoje o Jorge, contra esta farsa que se chama Papai Noel. Tenho dito! Obrigada, Jorge, pelo texto delicioso. Um beijinho
Obrigado Madalena. Fazer uma época de afectos e não de consumo. Abraço
Subscrevo tudo quanto dizes e sinto cada vez menos identificação com o que se tornou o Natal.
Não sou cristã e comemoro algumas datas pela tradição. Afinal, cada uma é válida como motivo de reunião para familiares e amigos. Gosto da sensação de pertença, assim como gosto dos valores espirituais. Acredito que todos os dias são dias de “sermos uns pelos outros”.
Um beijo, amigo.
Obrigado Sofia. Sim, minha amiga, toda a magia a esvair-se. Vamos reinventar os afectos. Abraço
Como gostei deste texto, Jorge.
A minha primeira boneca recebi-a do menino Jesus americano, imagina! Os meus olhos, diziam-me, quase saíam das órbitas e que nunca mais dexei a minha menina.
Hoje, cansa-me o Natal. Se pudesse isolava-me da euforia desta época e só voltava em Janeiro, mas não posso. Os meus filhos, com a idade que têm os meus netos agora, ainda acreditavam que havia menino Jesus e tinham medo do pai natal. Os meus netos, hoje, sabem que os pais, avós e a restante familia, que é grande e se junta nessa noite, é que fazem o Natal acontecer.
Que a ninguém falte o essencial: carinho e amor.
Um grande abraço desta mãe natal, meu amigo.
Obrigada por tão bela prenda.
Obrigado Manuela. Também tenho, ainda na mente, determinados brinquedos. Como te compreendo! Abraço
Tal e qual, Amigo!
Entramos na época em que me apetece hibernar e só regressar em meados de Janeiro.
É nestas alturas que ainda são mais gritantes as diferenças entre os que muito têm e os que nada têm.
Enquanto famílias inteiras se juntam, outros há que não têm com quem se juntar.
É nestas alturas que os órfãos se sentem mais órfãos e a solidão magoa ainda mais.
E há tanta gente a fazer fretes nestes dias…
Obrigada pelo teu texto! Um abraço
Obrigado Maria. Ê tudo demasiado. Cheira muito a hipocrisia. Jesus envergonhado. Abraço
Li o teu texto com um sorriso na cara. Sabes, eu também sou do teu tempo, do tempo do Menino Jesus, do sapatinho na chaminé e ainda me lembro de como ficávamos felizes com tão pouco! só no dia de natal o menino descia até às casas dos meninos. Com o tempo fomo-nos habituando à presença do pai natal e não sei se sabes mas nos correios havia uma pessoa destacada todos os anos para responder às cartas das crianças, nenhuma ficava sem resposta do pai natal.Agora são os meus netos que escrevem a carta para eu a entregar. Procuro atender os pedidos e ser generosa principalmente com as crianças. Por acaso ainda não fiz a árvore. Vou fazer. Obrigada por me teres lembrado. Pelos netos faz-se tudo! Vou lá por uma estrela por ti!
Obrigado Fernanda. Sou um sortudo, até tenho amigas que rezam por mim. Aprendi com o Joaquin Sabina. Pelo sim, pelo não? Sou Agnóstico. Abraço.
Boa noite Jorge,
confesso que o meu sentimento em relação a esta época em muito se assemelha ao teu. No entanto recordo em criança como o natal era mágico para mim, por esse motivo tento quanto me é possível tentar proporcionar a mesma magia às minhas crianças e às minhas pessoas , porque ao longo de toda a minha vida , esta era uma época de celebração e durante muitos anos com direito a missa do galo também. Contudo as nossas vidas vão-se alterando e por sua vez, muitas das nossas tradições familiares perdendo. Honestamente acho horríveis esses bonecos pendurados em janelas e varandas , nas grandes superfícies nãos os encontro, porque não vou, mas em minha casa quando chega o momento da troca de presentes (após o minuto de silencio pelos que já não estão connosco) , o gorro vermelho está sempre lá, pronto para ser colocado por quem se oferecer e é sempre , sem duvida um momento de enorme alegria , porque a troca de emoções e afectos entre os presentes traz a memória de outros tempos, felizes, sem duvida , mas sobretudo e o mais importante, temos os sorrisos das crianças .
Jorge querido, mentir-te-ia se dissesse que nesta época e apesar de tudo o que acabei de escrever, não sinta vontade de desaparecer, fugir, e regressar só quando esta azafama acalmasse, mas vem-me sempre a memoria uma conversa havida com a mãe há uns anos, dizer-me que a vida é uma Benção , que devemos sempre que nos for possível celebrar o milagre de podermos estar juntos, reunidos em celebração à vida. Dito por ela , da forma como me disse, com tantas e as maiores perdas de amores na sua vida, só posso agradecer, celebrar e partilhar a vida e o amor. Porque é para isso que nós cá andamos. E lamento te dizer, e até neste momento podes já ter cortado a barba e o cabelo, começado a dieta e até já te encontrares no polo norte , mas tanto para mim, como para todos os que te admiram e para a minha querida Isaurinda, pois claro, TU ÉS um pai natal especial, porque distribuis como só tu sabes , sabedoria, beleza e magia. Bem hajas.
Obrigado Cristina. Vamos fazer a magia dos afectos, dos abraços, As estrelas. Seremos nós. Abraço
O meu natal também era do sapatinho na chaminé esperando o menino Jesus no dia 25 pela manhã. Também ensinei isso aos meus filhos mas fomos perdendo à medida que perdiamos os bisavós, os avós etc. A ceia todos juntos , o bacalhau , as couves, o arroz doce, a canela tudo acabou e veio o velho pai natal da coca cola de barriga grande, barba branca … Já não gosto do Natal este é o primeiro que passo sem o meu pai ,resta-me o neto que vem de longe e os filhos que adoro. Um bom Natal para si e obrigada pela memória. Abraço
Obrigado Isabel. Vamos saber amar. Saber dos carinhos. Alimentar os afectos. Abraço
Embora gostasse de fugir, não posso, porque precisam de mim ,para lhes enfeitar o natal. e dou por mim ,a pensar que não quero perder por nada, a alegria de ver os primos ,tão felizes, os meus pequenos adoram o natal, e eu tenho escassos momentos de alegria não quero abdicar de nenhum também penso ,que uma fantasia só lhes faz bem .Consultando ,o meu neto de (na altura )treze anos se deveríamos dizer a verdade à irmã , –respondeu :——-deixamos, ela acreditar mais um ano . Eu ,fiquei a pensar …. e concluí que foi bem ecidido.ELES sabem que temos de tudo fazer ,para que todos tenham natal.
Obrigado Amélia. Os miúdos muitas vezez fingem que acreditam. É mais rentável. São tramados e fazem bem. É um jogo. Viba a magia das invenções. Abraço
Adorei a sua crónica, como me identifico com ela. Não gosto do Natal. Um abraço amigo e obrigada.
Obrigado Esmeralda. Vamos ser dos afectos todos os dias do ano. Abraço
Como o entendo Jorge. Também não me importava que amanhã fosse Janeiro e o Pai Natal já tivesse que esperar mais um ano para cá voltar.Lembro o Natal de quando era criança com os meus pais e irmãos,o pôr o sapato na chaminé e pensar muitas vezes que o Menino Jesus era injusto porque os meninos do apartamento do lado tinham imensas prendas e não se portavam melhor do que nós, a quem o Menino Jesus deixava apenas uma coisa para cada um. Fiquei contente quando descobri que eram os pais que davam os presentes, aí eu podia perceber a diferença. Mas hoje as coisas são diferentes pena que não o sejam para todos os meninos. Desejo que passe esta época com muita saúde e amor.
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Obrigado Maria da Conceição. Saúde, muita e muito amor. Abraço.
Exactamente assim o Natal de hoje. Ausência de cumplicidades de coisas pequenas. Até o cheiro a canela era um presente sem laço. Obrigada Jorge pelo magnífico texto. Um abraço enorme.
Obrigado Regina. Sim, os cheiros. As cores e o amor. Abraço.
Ri-me e diverti-me bastante com a sua crónica. Estou de acordo com a maior parte do que descreve e pensa. Atualmente sou ambivalente com o Natal. Andei seriamente zangada com o Natal vários anos, por motivo de uma grande tragédia da minha vida.
Depois nasceu a minha filhota e o Natal voltou a ser alegre com muita brincadeira. Gosto muito de brincar nesta época. Como a brincadeira do amigo secreto, com colegas. Giríssima e não se entra na onda do consumismo. Inventamos formas de deixar pistas, mas não é fácil descobrir quem é o amigo secreto. Escrevemos uma quadra, ou deixamos uma folha de árvore apanhada na rua acompanhada de uma ou duas frases, recortes de notícias descontextualizadas, pícaras, sei lá, isto todos os dias até ao lanchinho de Natal que termina com um presentinho no valor máximo de 3 ou 4 euros, que vão desde ovos com muitos laços ou fitas, frutos secos, rolhas, enfim, tudo muito enfeitado! Às escondidas. Engraçado. Brincar, estar com as pessoas me são queridas. É assim o meu Natal.
Respire fundo. Brinque…
Abração.
Obrigado Fernanda. Sim, vamos brincar ao natal. Vamos abraçar-nos. Abraço
Querido amigo. Vejo, mas vejo mesmo, através das tuas palavras, tudo o que descreveste.
Mal começam as iluminações, os sacos cheios de embrulhos, as pessoas a correr, a azáfama de tantos dias para, nuns poucos minutos acabar tudo. Estou sempre triste no Natal. Nunca mais chega Janeiro.
Queria o meu Natal de há tantos anos atrás. As famílias juntas. O arroz doce feito num tacho de cobre na máquina a petróleo com a Alcinda a mexer sentada num banco pequenino.
O Natal das peúgas, camisolas interiores, talvez um pijama. Um Natal sem árvore, presépio, ou pai natal. Um natal com muito afecto, muita brincadeira e os/as mais novos/as a dormirem todos num quarto em colçhões no chão e cobertores de papo.
Querido amigo, que tenhas saúde e boa disposição. Nestes e em todos os dias do ano. Beijinhos à Isaurinda e para ti. Muitos amigos no teu Natal com os que te amam e amas.
Obrigado Ivone. Vamos ser fraternos, dar as mãos. Abraçar a vida. Abraço
Compreendo-o. Ando a embirrar com o Natal. Abraço, querido!
Obrigado Nora. Não embirre com nada. Passa a época à sua maneira. Abraço
O Natal,deixei de gostar do natal desde há muito.Mas gosto do quente dos afectos,dos aromas e da canela que exala aquele perfume da pré sobremesa.
Um dia,um pai natal apanhou-me desprevenida e fez com tirassem uma fotografia que a minha mãe teve de pagar.Desde esse dia não gosto das objectivas,fujo delas,fecho os olhos…
As crianças que fomos,pouco do que recebemos era a alegria total,afinal o menino jesus visitava as nossas casas sem nos apercebermos.Goste-se ou não,um feliz natal meu querido amigo,aquele natal que penso também ser do teu agrado,um sorriso,um abraço,um beijo embrulhado no maior laço de amizade.
Obrigado Célia. Os afectos sempre. Fazer sonhar sempre os mais pequenos em qualquer época do ano. Abraço
Como o compreendo, amigo. Esta época deixa-me nervosa e nostálgica. É um corrupio, uma hipocrisia…
Também eu esperava pelo Menino Jesus, não havia pai natal. Também eu me contentava com uma boneca de plástico porque não havia dinheiro para mais. Havia Amor e eu eta feliz.
Tão atual esta crónica. Boa semana. Um abraço.
Obrigado Idalina. Vamos saber amar, abraçar. Bamos ser dos afectos. Abraço.