Ainda o Norte
Procurar os limites conhecidos. Encontrar o sem-fim. Olhar e tornar a olhar. Encher os olhos de um azul líquido. Tentar agarrar uma esfera armilar entre as mãos e rir entre o frio e a neblina que avança. Uma foto para a posteridade. Quem olhará para isto?
De repente um nevoeiro intenso. Tudo se concentra num espaço diminuto. Somos nós e os que andam por perto. Gente que veio só para estar neste lugar. Neste ponto ermo do globo. Para estar mais perto do tudo e do nada. Assim se vai percorrendo a vida, assim nos vamos procurando entender.
Apetece algo quente. Uma bebida que nos aqueça as mãos e o corpo por dentro e por fora. Retemperar a esperança e pensar no próximo desafio. A euforia a expulsar o cansaço. As dores levadas pelo nevoeiro. Já se vê pouca coisa por entre os vidros duplos ou triplos, não sei, daquele espaço enorme. Parece estarmos numa barriga de aluguer que nos acolheu e depois nos vai entregar de motu próprio.
É tempo de regressar. Há um templo de consumo dentro daquele espaço. Coisas que vamos esquecer ou nos vão fazer lembrar de algo. “Trastes inúteis” como diz uma amiga minha. Muito saco nas mãos da gente que só veio ver uma ponta do Mundo. Coisas quentes que vão saber bem hoje. Bonecos para a vida esquecidos num sotão.
O nevoeiro adensou-se. São cortinas brancas que vamos ultrapassando. Procuramos o autocarro de volta. Valem-nos os coletes reflectores dos condutores. Indicam-nos o nosso transporte. Entramos noutro tempo. Despimos o que está a mais. Libertamos os cabelos dos quentes gorros. Vamos regressar à nossa casa, ao bojo imenso que escolhemos para morar durante uma parte da vida.
Mal o autocarro começa a andar, vejo uma coisa que me prende a atenção. Alguém está a acabar de montar uma tenda perto do tal sem-fim. Sítio estranho para ficar. No entanto, sítio único. Não sei que calor haverá dentro daquele bocado de tecido com tecto duplo. Sei que, de repente, também me apeteceu ficar ali. Pernoitar no meio do nada. Acordar com tudo aos meus pés. O Autocarro seguiu o seu caminho. Nada a fazer, o nevoeiro foi-se dissipando. Vamos montanha abaixo.
Vamos apreciando outros modos de viver e imaginando coisas que, provavelmente, nunca chegarão a acontecer. Viajar é também um acto de criação. Ver para além do que vemos e, muitas vezes, deixar escapar algo que passou tão perto de nós. Peregrinações que fazemos ao nosso interior mais recôndito. Por vezes expulsamos demónios, outras interiorizamos estranhas vidas. Assim nos vamos enriquecendo.
Uma aprendizagem constante. Um constante caminhar. A vida a diminuir de tanta acumulação. Um contrassenso. O querer saber o que nunca vamos alcançar. Procurar o final que não existe e, apesar de tudo, ir. A insatisfação que nasceu connosco. O desassossego, o abençoado desassossego.
Ao jantar fala-se de tudo. Dos vários caminhos. Do que vimos e do que nos escapou. Janelas abertas para outros interesses e lugares. A claridade que nos enreda. Daqui a pouco é tempo de partir!
«Olha que francamente! Só tu. Tanta coisa para ver nevoeiro!»
Voz da Isaurinda.
«Tu sabes que através do nevoeiro se vêem coisas imensas!»
Respondo.
«Sim, sim. Mas o D. Sebastião nunca apareceu!»
De novo Isaurinda e vai, o pano na mão.
Jorge C Ferreira Agosto/2018(175)
Bela crónica! Obrigada por nos levar consigo nesta viagem. Um beijinho
Obrigado Madalena. É gratificante que viaje comigo. Abraço.
Viajar é sempre enriquecedor. O nevoeiro obriga a pensar o que está do outro lado!
O Norte encerra um mistério nos seus glaciares.
A Isaurinda sempre atenta.
Feliz regresso.
Obrigada pela partilha desta viagem maravilhosa.
Obrigado Eulália. Que bom gostar desta aventura. Abraço
Ainda o Norte e sempre tanto para nos contar. Para nos ensinar . Nos dar a conhecer, de uma forma tão bonita, como só tu sabes fazer.
“Viajar é também um acto de criação “. – dizes. E somos-te gratos , sempre, por tão belas crónicas. Não posso deixar de mencionar que sempre acompanhadas por tão belos comentários da querida amiga Ivone, em que tão sabiamente sabe ler e transcrever tantas vezes o que sentimos, dizendo tudo e tão bem dito.
Dá um beijinho meu à Isaurinda e obrigada uma vez mais.
Obrigado Cristina. Viajar é ganhar vida. Descobrir outros tempos. Outros passos. Outras cores. Abraço
Ainda o Norte, o frio, o inóspito. Um nevoeiro que esconde imagens à volta de cada um, mas aguça a capacidade de fazer nascer imagens dentro do mais profundo do ser. Uma bolha de humidade que talvez embrulhe o já pouco calor. Mas há alguém que o desafia e monta um pequeno espaço de poucas condições. A vontade que te surge de experimentar. Não há tempo. O autocarro desce do pico para deixar as pessoas em ” desassossego, um abençoado desassossego “.Trocam-se impressões, aprendendo sempre. A Isaurinda tem razão. D. Sebastião nunca mais apareceu. Será que ainda vagueia à procura do que nunca alcançará. Esperamos, sempre, por ti. Não te irás perder. Cá em baixo, fora dos nevoeirentos cumes, esperamos-te. Também aqui tens um manancial enorme de fantasia para oferecer.
Obrigado, Ivone. Sempre uma delícia,os teus comentários. Generosa amiga. Beijinhos
Ainda o Norte, o frio, o inóspito. Um nevoeiro que esconde imagens à volta de cada um, mas aguça a capacidade de fazer crescer imagens dentro do mais profundo do ser. Uma bolha de humidade que talvez embrulhe o já pouco calor. Mas há alguém que o desafia e monta um pequeno espaço de poucas condições. A vontade que te surge de experimentar. Não há tempo.O autocarro desce do pico para deixar as pessoas em ” desassossego, um abençoado desassossego.” Trocam-se impressões, aprendendo sempre.
A Isaurinda tem razão. D.Sebastião nunca mais apareceu. Será que ainda vagueia à procura do que nunca alcançará. Esperamos, sempre, por ti. Não te irás perder. Cá em baixo, fora dos nevoeirentos cumes, esperamos-te. Também aqui tens um manancial enorme de fantasia para oferecer.
Obrigado Ivone. Respondido.