Crónica de Licínia Quitério | Os blogues

 

De ontem e de hoje – Os blogues
por Licínia Quitério

 

Reproduzo hoje um excerto de texto que escrevi no princípio do século quando os blogues estavam em grande divulgação.

Não tardou a chegada das “redes sociais”, mais interactivas mais sedutoras, que hoje fazem parte do nosso uso e das nossas preocupações, chamem-se Facebook, Instagram, Linkedin, TikTok, etc. e o que logo mais surgirá. O mundo não pára e a imaginação dos homens também não.

“… A proliferação dos blogues atrai as atenções de especialistas em ciências sociais e humanas que sobre o fenómeno se vêm a debruçar. De facto, não deixa de ser tentador adivinhar as razões que levam tanta gente a comunicar, num mundo imaterial, com outra gente que existe não se sabe onde e que, de um momento para o outro, fecha a porta e desaparece no éter para sempre.

Será um jogo de verdade e mentira, do qual dificilmente alguém poderá sair magoado. Será a busca de um conforto não alcançado na vida real. Será, sem dúvida, para muitos, um grito no escuro, uma forma de compensar solidões abismais. Será, para outros, a procura de um público para obras que o pudor nunca lhes permitiu que saíssem da gaveta. De qualquer modo, sempre uma forma de romper as barreiras do dia a dia e de mostrar, por vezes de forma assustadora, os mais íntimos sentimentos, as maiores frustrações e as sempre inconfessáveis perversões. A humanidade, digamos, no seu melhor e no seu pior, iludidas as barreiras das convenções e da censura da sociedade.

Há os blogues dos jornalistas, dos políticos, dos poetas, dos cronistas, dos diaristas, das jovens mamãs, dos fotógrafos, dos artistas plásticos, dos músicos, dos religiosos, dos esotéricos, dos góticos, dos indiferenciados, dos que gostam de gatos, dos vegetarianos, dos que dizem que gostam de sexo, dos que andam sempre em viagem, dos que cultivam bonsais… Inumeráveis. Inqualificáveis. Como os ministérios dos homens.

Diz quem sabe que o fim dos blogues se anuncia. Aí virá outro instrumento mais avançado para virtuais proximidades. Entretanto, aproveitemos para visitar os amigos blogueiros, que como Amigos se tratam. De facto, tratam-se todos por tu, afectuosamente se enviam muitos beijos e abraços, anunciam quando vão para férias, chegam a festejar aniversários com os companheiros da blogosfera. Alguns não resistem à tentação de se conhecerem ao vivo.

Realizam, assim, esporádica ou periodicamente, encontros de grupos de bloguistas que acabam por se constituir em verdadeiras tertúlias, animadas por passeios e jantares de confraternização. Há os que preferem manter o mistério e habitar um outro mundo onde possam ser donos dos seus sonhos.

Como deuses, senhores do princípio e do fim.”

Licínia Quitério

 


Licínia Quitério
Licínia Correia Batista Quitério nasceu em Mafra em 30.Jan.1940. Foi professora, tradutora e correspondente comercial. Tem publicados oito livros de poesia – A decadência das falésias; Da Memória dos Sentidos; De Pé sobre o Silêncio; Poemas do Tempo Breve; Os Sítios; O Livro dos Cansaços; Memória, Silêncio e Água; Travessia (Menção Honrosa do Prémio Internacional de Poesia Glória de Sant’Anna 2019). Participou nas Antologias de Poesia – Cintilações da Sombra 2 e 3; Clepsydra; A Norte do Futuro; 13 Poetas Portugueses Contemporâneos (bilingue). Publicou os seguintes livros de ficção –  Disco Rígido (contos); Disco Rígido (contos) – Volume II; Os Olhos de Aura (romance); A Metade de um Homem (romance); A Tribo (romance); Mala de Porão (romance). Tradução (do castelhano): O Vizinho Invisível, de Francisco José Faraldo

Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Licínia Quitério.


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