De ontem e de hoje | O SENHOR TUPPER
por Licínia Quitério
I Parte
A ASCENSÃO
O senhor Earl Tupper, diz-se, criou uma espécie de loiça de plástico que, de tão boa, tão bonita, tão melhor que todas as congéneres, foi um sucesso estrondoso de mercado. Uma década depois de ter iniciado a sua produção nos Estados Unidos, a marca Tupperware, que traduzido à letra será qualquer coisa como “tigelas Tupper”, expandiu-se para a Europa, tendo depois dado o salto para a América Latina e Ásia, numa autêntica volta ao mundo das cozinhas e frigoríficos.
Por volta dos anos 60, não houve neste país lar de família que se prezasse de bons e asseados costumes que não tivesse o seu lote de caixas, caixinhas, redondas, quadradas, de todos os tamanhos, de todas as cores, com as suas tampas ajustáveis na perfeição, ali nada vertia, nada entornava, por muitas voltas que se desse ao recipiente. Foram anos e anos de fabricar, vender, comprar, usar “taparueres”, palavra logo aportuguesada para designar toda a gama de objectos domésticos criados pelo senhor Tupper, de cuja existência e nome não se suspeitava. Nasciam correntes de utilizadores maravilhados e orgulhosos dos seus também compreensivelmente denominados “tamparueres”, gramaticalmente tomada obviamente a peça pelo todo.
Prodigioso foi o processo de comercialização, numa época anterior à proletarização da internet. Baseado exclusivamente nas vendas ao domicílio, através de uma bem pensada rede de “Consultores Tupperware”, agentes de divulgação e sedução junto do público feminino, a rede alargava-se. Tornaram-se conhecidas e afamadas as chamadas “Reuniões Tupperware”, levadas a efeito em casas particulares onde a dona da casa juntava um grupo de amigas que, em redor duma mesa onde se expunham as tais tigelas, caixas, etc., ouviam embevecidas a demonstração de alta qualidade e utilidade dos atraentes recipientes, tarefa a cargo da simpática Consultora de serviço. Naturalmente, cada uma das circunstantes, por sua vez, seria potencialmente uma divulgadora dos produtos, trabalho que faria de boa vontade, tanto mais que logo se candidatava a um brinde por bons resultados no empreendimento.
II Parte
A QUEDA
Depois deste arrazoado sobre um produto comercial, convém explicar a seguir a razão que me levou a trazer aqui o assunto. Ei-la: O império Tupper, como todos os impérios, ameaça ruir. Da falência, chegam notícias vindas da bolsa de Nova Iorque facilmente relacionáveis com o anunciado despedimento de duas centenas de trabalhadores de uma fábrica das tigelas Tupper em Portugal, a funcionar há décadas perto da linda vila camoniana de Constância. Infelizmente pode dizer-se, com amarga ironia, que o caldo entornou das tigelas ditas herméticas, queimando as mãos de quem lhes deu forma e proveito.
Da efemeridade do poder falou Bertold Brecht em “Ascensão e queda da cidade de Mahagonny”. Foi do que me lembrei.
Licínia Quitério
Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Licínia Quitério.
Como sempre um olhar sagaz e preocupado sobre o Ser Social.
Gostei muito de ler, como sempre!
Um beijinho.
Uma ascensão vertiginosa leva quase sempre à queda… Tenho imensa pena de todos os trabalhadores que, em várias épocas da História, viram o seu trabalho ameaçado ou o perderam mesmo em nome do progresso. E, pior, muitas vezes nem é bem isso porque, se assim fosse, porque é que não podemos ir ao Supermercado sem trazer para casa uma série de embalagens em plástico?
Como sempre, Licínia, atenta, sensível e empática, a sua crónica.