De ontem e de hoje – Não há terra como esta
por Licínia Quitério
Lúcio gosta da sua terra como da sua mulher. Fala dela como de coisa recebida por graça divina.
Minha rica terra, há lá terra como esta, onde é que já se viu um castelo como o nosso. Não vi, nem preciso ver, diz arrevesado para quem tenta contrapor-lhe o gosto com outro gosto. Que mania de dizerem mal do que é nosso, o meu país é o meu país, e esta terra é a minha.
Enerva-se, é um homem de convicções, e das boas, até hoje nunca se enganou, sempre votou em quem ganha, seja na política seja no futebol, é preciso é ter olhinhos.
No outro dia até me chateei com a mulher, por causa da merda das viagens. Meteu-se-lhe na cabeça que gostava muito de ir a França conhecer castelos, châteaux, topas, com um tão bonito aqui ao pé da porta. Ninguém se contenta com o que tem, é o que é, por isso é que o mundo está como está. Se ela volta à conversa arranjo maneira de a calar, é só falar-lhe do maricas do chefe e ela mete a viola no saco. Mulheres… Fazem-nos falta, se fazem, mas não se lhes pode dar muita corda. Como dizia o meu falecido pai, onde há galo não cantam galinhas. Eu sei, homem, o mundo mudou, mas só te digo que em muitas coisas mudou para pior. Já viste o palavreado da malta nova, tanto rapazes como raparigas, é só palavrões por aquelas bocas fora e à frente dos adultos. Porra, é mesmo uma tristeza.
Se não fosse a minha terra, eu não seria este homem ganhador, honesto e trabalhador. Um dia esta terra há-de ter orgulho em mim, há-de ter uma rua com o meu nome. Já o estou a ver escrito em azul sobre azulejos brancos com uma barra também azul, topas.
É mais ou menos isto o que Lúcio quer dizer com a frase “não há terra como esta”, no gesto largo de um braço a abarcar o horizonte.
Licínia Quitério
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