De ontem e de hoje – Maiorca
por Licínia Quitério
Talvez os testemunhos envergonhados de um continente há muito afundado. A meio caminho entre a África e a Europa, as Baleares são um misto destes dois mundos. Nelas se casam a palmeira e a alfarrobeira. O Sol escalda e desidrata coisas e pessoas. O mar é azul e morno e os poentes bruscos e incolores.
Ao Verão de Maiorca acorrem gentes do Norte e as praias ficam pejadas de corpos esbeltos e longilíneos coroados de cabeleiras loiras-brancas. Às cinco da manhã, já é dia claro. Às nove, o Sol aquece quase com violência.
As águas mornas e salgadas estão povoadas de turistas. O Mediterrâneo é uma piscina imensa, um lago admirado por lhe chamarem mar, de desventuras e afogamentos como nunca se imaginou, mas hoje falarei dele como mar de navegações e não de náufragos, como sempre deveria ser.
Maiorca não é só as praias doiradas e macias. É também a planície ardente, das oliveiras de belos troncos contorcidos, das amendoeiras que no Inverno trazem a miragem da neve ausente. É ainda a montanha que no seu pico maior atinge o milhar e meio de metros. Antigamente os autocarros trepavam penosamente a velha estrada-réptil que ligava Valdemossa a Porto-Soller. Sessenta e três curvas, na sua maioria com mais de duzentos graus, a desafiar os nervos dos viajantes.
Os picos são escalvados, mas de onde em onde surgem, lá no fundo, vales férteis para onde a água escorre, caprichosa. Um deles, o de Alfabiá, foi outrora um solitário e fascinante oásis no meio de inóspitas montanhas. Ali um rei mouro mandou construir o palácio e os jardins que ainda hoje são regalo para os olhos. Noutro, o de Valdemossa, numa belíssima moldura da Natureza, viveram frades cartuxos e amaram, episodicamente, Frederico Chopin e Georges Sand, isolados do bulício dos grandes povoados.
Os maiorquinos quase desaparecem nas torrentes de turistas que vão e vêm sem deles se aperceberem. Mas eles lá estão, a falarem no seu dialecto tão curioso de “rr” rolados, mais semelhante ao português do que ao castelhano. Nos “pueblos” de terra queimada, trabalham duramente em modestas indústrias artesanais. Sopram o vidro de cores vistosas, talham pequenos objectos de madeira de oliveira ou fabricam as pérolas de vidro que apelam à vaidade feminina pela parecença com as verdadeiras.
E o subsolo? Que dizer desse mundo subterrâneo recheado de maravilhas? São diversas e surpreendentes as grutas de estalactites e estalagmites, nomeadamente as de Hams (o Anzol) e as de Drach (o Dragão), assim chamadas pelas suas formações exóticas. “Sonho de um Anjo” foi o nome dado a uma sala de pequenas formações cor de marfim, em que também não será difícil imaginar uma miniatura de floresta petrificada.
Ir a Maiorca? Sim, mas vale bem a pena descobrir algo mais do que as praias tentadoras.
Licínia Quitério
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Que belíssima crónica! Dá vontade de fazer malas e correr para lá de novo!