Viagens
por Jorge C Ferreira
Uma esquina sombria e uma neblina ensombrada. A vida a andar ao contrário numa linguagem difícil de decifrar. Os cantos que deixaram de ser acolhedores. Os vértices que passaram a ser lâminas. O mundo a girar do avesso. É então que viver se torna difícil.
Deixar de escutar as vozes, mesmo as mais doces, as que nos enchiam de doçuras. Ficar mudo de medo e as mãos presas e sem serem capazes de escrever uma linha. Sabemos que nos lugares mais longínquos do mundo vive alguma bondade. Falta-nos a força para fugir.
Quem sabe o que isto representa é capaz de ajudar o outro a fazer a viagem nas asas de um albatroz. Todos conhecemos o “abraço de urso” que evitamos a todo o custo. Procuramos os limites, experimentamo-nos e vamos tentando ajudar quem se quer libertar. Por vezes são viagens cansativas. Viagens de uma vida. Viagens sem classes de luxo. Onde chegar é o importante.
Assim percorremos a vida, este tempo que nos foi concedido e que não controlamos. Assim somos chamados a ser corajosos. Assim vamos vencendo as tiranias. Por vezes somos um parque frondoso e puro, o paraíso que não conhecemos. Outras somos mato, silvas, ervas daninhas, a danação. Nunca vi uma fotografia de Adão e Eva. Nunca vi a sua nudez. Não acredito, nunca acreditei, acho eu, no pecado original.
Depois temos serpentes e maçãs e um fim do mundo sempre a ser anunciado. É assim desde que me conheço. Fomos ultrapassando as várias profecias escritas em livros apocalíticos e continuamos a resistir. Já li na capa de um periódico um subtil anúncio de uma nova pandemia. Esta ainda não acabou, meus senhores. É a pressa de fabricar notícias dramáticas que nos fustiguem os sentidos. Um cansaço que nos castiga e nos custa a mastigar. O corpo cansado. A vida e a idade. As dores e as mudanças de tempo. Um galo que muda de cor. Os bicos de papagaio do meu saudoso Tio-Avô.
Quando entendi o significado de me dizerem, meu amor, renasci. Saber que a vida pode ter um significado, uma beleza encantatória. Saber que vivemos paredes meias com o sonho. Amores cantados, escritos e vividos. Amores que curam as maleitas da maldade. Quando me escreveste um verso, quase desmaiei. Encontrar a felicidade numa mancheia de palavras que alguém juntou na busca do poema é uma bendição.
Há quem não entenda determinadas linguagens. Quem faça da sua vida outro caminho. Quem se esconda entre frases alinhavadas para agradar enquanto o mal grassa pelo mundo. Sim, porque os tiranos nunca descansam. Porque a maldade existe. Porque o homem, por vezes, atinge extremos nunca pensados. Os exemplos disso proliferam na história desde os tempos mais antigos.
Foi então que alguma coisa me apareceu e me levou para um estado de leveza nunca experimentado. Não disse uma palavra, não fez um gesto, apenas um sorriso em forma de nuvem e o céu abriu-se. Uma experiência única. Porque há viagens que só se fazem uma vez. Porque há lugares que desaparecem connosco, nos engolem e ficam a viver connosco. Nunca mais nos deixam.
Aqui continuo. Espero que me digas de novo: – Meu amor.
«Olha que viagens andaste para aí a fazer! Só tu.»
Fala de Isaurinda.
«Apenas algumas reflexões sobre a vida.»
Respondo.
«Tu tens uma lábia! Mas em algumas coisas tens razão.»
De novo Isaurinda e vai, um sorriso aberto
Jorge C Ferreira Junho/2022(352)
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Emocionante Viagem.
Tão belo poema.
Só o Jorge!
Obrigada, querido escritor.
Abraço imenso.
Obrigado Maria Luiza. Muito obrigado minha Amiga. Abraço imenso.
Jorge.
Não, não quero que as notícias me tragam mais rosários de penas. Não quero ter de enfrentar outras manhãs de nevoeiro e mares tenebrosos. Não quero ir por aí!!!
Sigo por ali…
Por onde as cidades ainda vibram de vida, os campos proliferam de cereais, os pomares tombam carregados de frutos, os mares não perderam o azul, os céus estão pincelados de transparências.
Dos dicionários desapareceu a palavra guerra, os meninos já não têm fome, às mulheres crescem-lhes enormes ventres de esperança e os homens, sábios e compassivos, recriaram um novo mundo.
Podem chamar-me o que quiserem. Pouco me importa. Demagógica. Utópica. Louca.
Sobre mim circundam nuvens. Versos. Melodias casuais. Casos
de amores insólitos. Braços que me fazem sentir repousada. Uma paz escrita a giz. Um outro lado do espelho. Uma espécie de Alice num país miraculosamente inventado.
Um poeta que canta o amor. Que mais poderia desejar? Chamem-me louca!!!
Obrigado Mena. Sempre belos os teus comentários. Muita generosidade. Muito grato. Abraço
A lucidez, utopia, amor que cura maleitas da maldade. Levas-nos numa viagem de encanto que só tu nos conduzes assim. A tua assinatura em cada palavra. Abraço meu Amigo.
Obrigado Regina. Viagens de uma vida. Grato. Abraço
Tempos sem tempos de orgulho, onde tentamos suavizar o “engano constante”.
Momentos questionadores do amanhã, quando o ontem foi um mero calendário falido.
E os sorrisos “acontecem” no esconde esconde de jogos difíceis … onde o xadrez perdeu o brilho, e as damas esconderam-se face à vergonha.
Perdoa-me estimado amigo ter comentado o teu maravilhoso traço técnico de observação, com olhares cúmplices do meu (nosso) viver.
Será que o amanhã vai nascer colorido?
Grato pela partilha.
Grande abraço!
Excelente e emocionante reflexão sobre a vida.
Uma viagem com muitas aventuras. Umas vezes o paraíso cheio de sol, outras vezes, o céu carregado de nuvens. Vão-se ultrapassando as dificuldades com determinação. Celebram-se os dias bons com alegria.
Estamos a chegar a um momento da viagem com dúvidas e interrogações. Alguns anos passaram e tanta mudança.
É difícil e incompreensível assistir à transformação do ser humano e do mundo.
Obrigada Amigo, pela sua escrita única.
Grande abraço.
Obrigado Eulália. Difíceis estes tempos que estamos a viver. Vamos ultrapassar tudo isto. Abraço
Obrigado José Luís. Que bom o teu comentário. A minha gratidão. Grande abraço
Esta crónica é um poema. Uma narrativa poética sobre a vida e a natureza humana.
Um eu que se desvela e “discorre ” sobre sentimentos e sentidos sobre a realidade (s) do homem. Colocando a humanidade em vários polos. Dita esta a partir de si, mas assumindo mesmo assim uma universalidade.
A ” viagem ” e as viagens cruzam-me na inevitabilidade de estar e ser num mundo onde , segundo o autor, há caos, actos e sentimentos indescritíveis, incompreensíveis, mas também o seu contrário. Este que emerge do conceito de amor, quer na abstração quer no concreto. E nele encontra o sentido da sua singularidade, remetendo para o todo também esta ” visão” . E se assistimos a um desassossego inicial patente na crónica surge o sossego ( pelo menos parcial) no seu final. E essa ” calmia” advém do amor humano, em todas as suas vertentes. E por isso esta narrativa é também uma “viagem” de esperança para si e sobre os outros. Uma viagem de utopia também. Sendo desta que o mundo pode mudar e necessariamente todos os eus. O Eu do autor entre eles. Um olhar sobre si, sobre si no mundo e sobre os outros.
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Obrigado Isabel. A vida é uma viagem curta e imensa. Muito grato pela sua generosidade. Abraço
Emocionada.
Abraço, querido Jorge ❤️
Obrigado Cristina. Por vezes a emoção. Abraço
Pode ser que seja hoje que eu consiga fazer o famigerado comentário a uma crónica do autor.
Por razões que desconheço, tenho tido dificuldade em transmitir qualquer pensamento àcerca do que escreve
Temos aqui um texto belo em que, apesar do desânimo que as actuais condições de vida nos provoca, compensa-nos quase metafísicamente com a esperança emanada por um belo olhar que nos transporta a prováveis paraísos que desconhecemos.
O autor sabe bem o que pensa, diz e escreve e há sempre muita poesia e encanto mesmo quando a mensagem é em prosa. Felicitações.
Obrigado Isabel. Que bom estares aqui. Sabe sempre bem a quem escreve ouvir as opiniões dos outros. Vamos ultrapassar isto. Grato pela tua Amizade. Abraço grande