Santos e altares
por Jorge C Ferreira
Temos a mania das grandezas. Essa coisa tão estúpida própria de gente ignorante. Os poderes deste país, onde me coube nascer, só pensam pequeno no que diz respeito aos mais necessitados. Quanto ao resto é um “fartar vilanagem”. O exagero. O que não é necessário. As opções erradas. Coisas que me deixam incrédulo.
Parece que estamos sempre nos Jogos Olímpicos. Mais longe, mais depressa, mais alto. Depressa porque deixamos atrasar tudo e acabamos a fazer as coisas em cima do joelho. A turma do desenrasca. Mais alto, altares nunca vistos. Será uma tentativa de minimizar a figura do Papa? Mais longe porque andamos muito e nunca chegamos a lado nenhum. Ainda vamos a caminho e não sabemos o destino.
Somos um estado laico e, apesar disso, andamos sempre com a Igreja católica nas palminhas. Falemos então de altares.
Pergunto: o que acharia Jesus Cristo sobre estas obras faraónicas?
Tudo dá ares de manias de novos-ricos. O altar do Parque Eduardo VII, é, para além do mais, de um mau gosto incrível e para desmanchar. Não estraguem mais. Quanto a altares, fico por aqui. Esperemos o desenlace final.
Entretanto, na minha esplanada, o pessoal, apesar do frio, continua a beber o seu whisky com gelo. Já lhes disse para usarem luvas. A minha esplanada ainda não está dotada com aqueles aquecedores que cospem fogo, nem tem mantas. É o vício do fumo que mantém os clientes encasacados naquele espaço.
Ali diz-se mal de tudo e mais alguma coisa. Somos muito de falar e pouco de agir. Nunca soube que coisa nos tolhe. Ainda serão medos acumulados? Há sempre os que catrapiscam uma rapariga jeitosa. É malta já antiga com mais olhos que barriga. Não liguem. Um que lançou a ideia de fazer um altar ao fundo da esplanada foi logo mandado calar pelos outros. Aqui só altares de Santo António e no seu dia.
Este foi um Santo que nunca achei muito católico. Sempre o vi no tempo da sardinha assada, das saladas de pimentos e dos manjericos. Dos bailaricos. Dos bairros populares cheios. Da pinga. Das noivas e dos casamentos. As raparigas solteiras a pedirem para lhes arranjar um namorado.
Quem é do tempo de pedir um tostãozinho para o Santo António?
Um Santo atrevido, que roubava beijos às miúdas enquanto lhes consertava a bilha partida. O Santo a quem se pedia para que aparecessem coisas perdidas. Os responsos e os rituais. Eu achava que era ele que escondia as coisas de propósito para se armar depois em Santo. Mas isto sou eu que sou um pecador. A minha mulher, que não é católica, estranhamente, também invoca o Santo sempre que qualquer coisa lhe desaparece.
Mas os altares, quem vos encomendou isso, meus senhores?
Um tostãozinho para o altar?
«Olha eu já não posso ouvir falar em altares. Só me faltavas tu.»
Fala de Isaurinda.
«Só falei uma coisa ao de leve. Havia muito mais para dizer.»
Respondo.
«Ainda bem que foi ao de leve. Embora eu ache que não. Mas se eu mandasse não havia cá coisas daquelas. Acho que até é pecado.»
De novo Isaurinda e vai, a fazer o sinal da cruz.
Jorge C Ferreira Fevereiro/2023(384)
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País pequeno, de ideias gigantes. Fantásticos a gastar dinheiro que não existe. Projectos de altares repetidos porque sim. Com o devido respeito pelo Papa Francisco atrevo-me a dizer que é um total desrespeito. Que bom sentido de humor meu Amigo escreveste o que tanto te incomoda. Estou muito zangada com Portugal. Que bom estares aqui. Abraço Jorge.
Obrigado Regina. Sempre a mania das grandezas. Manias próprias de gente pequenina. As capelinhas. O faz de conta e o enriquecimento rápido. Vamos dar a volta a isto. Grato por estares aqui. Abraço grande
Somos fantásticos a gastar o dinheiro que não temos, também criativos. Tantos altares, de tamanhos não ponderados, aliás desconhecem quem os vais utilizar. Com o devido respeito pelo Santo Padre creio ser desrespeito para o mesmo. Sinto-me muito zangada. Crónica escrita com a tua lucidez e sentido de humor. Obrigada por estares aqui. Abraço Amigo.
Obrigado Regina. Muito grato pela tua presença. Abraço
Tudo o que escreveu está maravilhoso.
Disse tão bem, o que tinha a dizer. Ideias tristes, que por aí andam.
Não se lembram dos que nada têm. Para eles não há um telhado, continuam ao frio, à chuva e com fome.
Que Santo António lhes valha e a mim também.
Recorro a ele muitas vezes, nem sempre me lembro onde ponho as coisas e às vezes, tão perto de mim estão.
Mais te peço, Santo António, olha p’la nossa Lisboa e o Parque está bem assim. Que mal lá fica um altar. Como disse a Isaurinda : Acho que até é pecado.
Obrigada, meu amigo. Abraço.
Obrigado Maria Luiza. Escreve tão bem a perplexidade de tanta gente. A minha imensa gratidão por me fazer companhia nesta aventura de escrever. Abraço grande
Doi concordar com tudo o que diz, e o golpe até sangra, depois vem a pergunta; onde passaram os portugueses? Partiu-se a forma de onde saíam, há muito tempo, e tornamo-nos a apologia da mediocridade.
Obrigado Mafalda. Comentário certeiro, assertivo. É um gosto imento ter a sua presença neste nosso espaço. Grato.
Maria Matos. 8- 02-2023. 22.50
Que crónica deliciosa. Somos assim! Assim é Portugal…. Tudo dito !
Adorei. Reli e ri-me.
Uma boa noite, Jorge
Obrigado Maria Matos. Breve e certeiro comentário. Será que alguma vez vamos mudar? Desde onde vem isto? Muito grato pela sua presença. Abraço
Grande amigo, reli e tornei a voltar a página num sentir de reflexão e no humor muito bem explanado do teu aferir de traços de ontem e os momento pecadores de hoje.
Permite-me “votar” no teu esclarecedor comentário sobre a pobreza de espírito, numa tentativa de riqueza arrogante sem sentido. Não sendo religioso, acredito sinceramente que este Papa tão humano e simples diria de imediato : – Aplaudo que essa verba seja “gasta” nos ventos necessitados, e nunca em imagens arrogantes e comerciais.
Razão tem Isaurinda ao declarar-se cansada destes contornos irrealistas e vaidosos.
O meu abraço amigo e cúmplice, face a estes teus “dizeres” do lado criativo, que muito me dizem.
BRAVO!!!
Obrigado José Luís, Poeta. Que bem me lês. Que bem lês este novo-riquismo. Esta loucura que campeia pelos cantos dos poderes. Grato pela tua presença. Abraço grande
Boa tarde, Jorge!
Tantos santos que há por aí e tão poucos altares onde se alberguem!
Cada um tem o seu discurso e vende a mesma pomada para todas as dores, todos os males.
Habilidades várias heranças e que se atualizam com expediente, p.b..
Um abraço, Jorge!
Obrigado António. Tem tanta razão. Somos um país de megalómanos. Somos do tempo da banha da cobra. Conhecemos estes discursos. Grato pela sua presença. Abraço
Amei o teu belíssimo texto! Disseste tudo! Que triste País o nosso!
Obrigado Claudina. Gosto tanto que estejas aqui, que me leias. É gratificante para mim. Um grande abraço
Crónicas sempre com muito interesse.
De olhar-se sempre atento ao que nos rodeia , um esvoaçar poético sobre os cantos e recantos de uma cidade que alberga tantos e tão diferentes. ..
Mas hoje , o humor extravasou tudo. Soltei uma boa gargalhada ! Obrigada por esta nota de alegria quando se vive num país que está a ficar tão cinzento por mais palcos que se façam de rezas ou de cantorias .
Abraço, poeta !
Obrigado Lénea, pelo belo comentário. Que bom que me leu. Os leitores são o alimento de quem escreve. A minha gratidão. Abraço
Excelente. Tudo dito e tão bem dito.
É o país que temos. Cheio de traumas e complexos, não hesita em apresentar uma obra megalomana, quando ao lado há pessoas a dormir na rua e a passar fome.
Ficamos à espera para ver a obra final, no prazo previsto.
Somos um pais de brandos costumes.
As notícias repetem-se, reclamamos e a desilusão aumenta.
Obrigada Amigo, por alertar consciências e estar sempre desse lado.
Um abraço.
Obrigado Eulália. Somos o país da megalomania. Ainda me lembro de me ensinarem na escola primária que Portugal era o país onde o sol nunca se punha. Lembro-me de um mapa em que tínhamos o tamanho da Europa. Agora dedicamo-nos aos altares. Haverá remédio para isto? Muito grato. Abraço
Olá Jorge
Gostei muito da crónica, para mim divertida, deu-me vontade de rir. Lembrei-me daquela dos Deolinda onde cantam que o maior mastro do mundo é português 😊
Partilho da sua opinião quanto aos altares e afins.
Exceção para o nosso Santo Antoninho que continua a merecer os altares populares em várias versões.
Abraço
Obrigado Fernanda. Que boa essa do mastro. Não conhecia. Tudo o que fazemos tem de tentar ser o maior. Até a feijoada da ponte Vasco da Gama. Grato pela sua presença. Abraço
À tua pergunta “o meu” Jesus Cristo responderia:
Juntem esse dinheiro todo (o dos 2 altares) e distribuam-no por quem, de facto, precisa mesmo dele. Não se pode gastar assim havendo gente com fome, sem cuidados de saúde e sem habitação digna.
Obrigado Maria. Que justo é o teu Jesus Cristo. Esse é também o meu. Temos de lutar pela justiça. A minha imensa gratidão pela tua presença neste espaço. Abraço