Os Livros e as Leituras
por Jorge C Ferreira
Houve um tempo em que éramos muito selectivos com os livros que líamos. Os escritores eram catalogados conforme a sua ideologia e não sobre a sua escrita. Era um tempo quente em termos políticos. Muitos só mais tarde recuperaram leituras imprescindíveis. Eu já tinha lido de Céline o seu “Viagem ao Fim da Noite”. Um livro de um autor considerado maldito.
Líamos muitos livros de política e filosofia. Tinham sido muitos anos de livros proibidos. Era necessário recuperar o tempo perdido. Até nos cansarmos e procurarmos outras coisas.
Já antes do 25 de Abril tinha lido muitos filósofos e alguns livros proibidos. Tinha uma bela colecção de livros de filosofia que me tinham sido oferecidos pela mãe do meu filho, ainda minha namorada. Um dia dei essa colecção inteira ao meu filho. Como que uma passagem de testemunho. Foi uma grande aprendizagem.
Aproveitava um bocado da hora do almoço para a leitura. Lembro-me de estar a ler o “Levantado do Chão”, do Saramago, quando o Augusto me interpelou: «tu se calhar não vais ler, mas devias experimentar “Os Nós e os Laços” do António Alçada Baptista.» Falámos sobre o assunto e acabei por aceitar o repto. Adorei o livro e tornei-me leitor fiel do escritor. Obrigado, Augusto Carreira, meu querido ex-colega e Amigo.
Assim se iam descobrindo escritores através de conversas informais e algumas tertúlias. Tudo acabava ao balcão de uma livraria. Os livros a tornarem-se paixão. A leitura compulsiva a invadir-nos. Aprender a amar os escritores através do que escreviam.
Até que os escritores passaram a fazer parte da minha vida. Passei a ser convidado para a apresentação de livros. A procurar as novidades. Encontrar a beleza essencial. Fosse num romance, num conto, ou num poema. Passei a ser convidado de mesas de bares e cafés onde escritores discutiam entre si e encontravam novas estórias e personagens. Noites que se prolongavam. Eu era mais o atento ouvidor. O que tentava apreender a magia de encantar os outros.
Os livros foram ganhando espaço à casa. As estantes foram crescendo pelas paredes brancas. Um livro acompanhava-me todos os dias. Primeiro a leitura do Jornal diário, depois o livro. E havia outro sempre em lista de espera. Um prazer enorme descobrir a arte de jogar com as letras numa página em branco.
Ia escrevendo algumas coisas. Coisas que nunca mostrava a ninguém. Até que chegou a altura da reforma. Com 36 anos de trabalho e 51 de idade reformei-me. Uma das melhores coisas que fiz na vida. Tinha começado a trabalhar com 15 anos. Os bancos tinham um sistema especial. Não fui beneficiado em nada. Comecei no Banco da Agricultura (com 15 anos) e fui reformado no BCP. Tudo isto sem alguma vez ter mudado de banco. Os bancos é que se foram devorando.
Foi então que fui a uma oficina de poesia com o José Fanha. Uma experiência única. Todas as semanas tínhamos o mote para escrever um poema. Era o trabalho de casa. Foi com surpresa que comecei a ver que apreciavam o que eu escrevia. Ficava espantado. Com o incentivo do Poeta comecei a escrever todos os dias. Depois frequentei um curso de escrita criativa com a Rita Ferro. Pessoa que passei a admirar e a ler. Conheci o outro lado da escritora. Também ela apreciava o que semanalmente eu escrevia como “trabalho de casa”. Hoje também sou um leitor fiel da Rita ou um “bom cliente” como ela gosta de dizer.
Entretanto a minha livreira de referência, a Caroline da Bela Galileu, ia-me indicando caminhos. Ainda faltava dar a volta ao Mundo para publicar o primeiro livro. A Isabel sempre a incentivar-me e sem uma única palavra má sobre a minha loucura pelos livros.
«Olha que hoje gostei disto. Tantos e tão diferentes tempos.»
Fala de Isaurinda.
«Sabes, também gostei de fazer este percurso.»
Respondo
«Pois, mas a Volta ao Mundo tornou-vos pessoas diferentes.»
De novo Isaurinda e vai, um beijo a voar da sua mão na minha direcção.
Jorge C Ferreira Setembro/2022 (364)
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Os livros, a minha perdição, sou apaixonada e ciumenta pelos meus livros. Nunca empresto um livro, prefiro comprar para oferecer do que emprestar, aliás, emprestar um livro é corroborar num roubo, assim está escrito num dos muitos separadores que tenho já que tenho tantos como tenho de livros. Tenho uma particularidade, primeiro leio as últimas páginas, e, depois sim, começo a ler o livro por inteiro. Quanto aos livros de poesia gosto de abrir ao acaso, e quase sempre é aquele que me seduz. Quando criança, muito por minha mãe não saber ler e havendo livros lá em casa do Camilo Castelo Branco lia em voz alta a seu pedido, o primeiro foi o Retrato de Recardina, Uma freira no subterrâneo e por ai até ao Amor de Perdição. Como criança que era aquilo para mim dava-me tristeza que não entendia, ainda mais vendo na cara da minha mãe lágrimas. Talvez por isso, na adolescência só o que nos livros de português era leitura obrigatória. E como quase tudo se resume ao talvez, tornei-me um tanto tímida e com uma imaginação muito fértil, “quase” sempre no mundo da lua com as personagens que a imaginação me levava por aí… Obrigada, meu amigo, como sempre, leio e maravilho-me com as tuas palavras. Abraço!
Obrigado Cecília. Que bom estares aqui. A tua presença é uma dádiva. Obrigado pela entrega que fazes no teu comentário. A minha imensa gratidão. Abraço
Excelente. A paixão pelos livros. A leitura de livros proibidos. As tertúlias com grandes escritores.
O culminar com a publicação de livros, escritos de forma única.sensivel.
Que belo percurso de vida.
Os livros são o oxigénio do conhecimeno.
Fiz uma viagem de regresso ao passado, numa realidade tão diferente da cidade grande. Criança, pela mão de meu pai junto da Biblioteca Itinerante da Gulbenkian. Livros para os pais e para os filhos.
Assim começou o gosto pela leitura. Os livros são fonte de saber, amigos fiéis para os bons e mais momentos.
É um prilegoo ler os seus livros e tetos. Obrigada Amigo por estar desse lado.
Grande abraço..
Obrigado Eulália. Os livros são uma tentação. São vidas que nos interpelam. Outras vidas que vamos vivendo. Amigos incondicionais. Fontes de saber. Abraço
Que belo foi o momento, em que começou a envolver-se com os livros e com os escritores da sua simpatia.
A dar beleza às folhas em branco.
A ler tudo o que gostava. A filosofia a incentivar à leitura e à escrita. A seu lado, alguém que achava que devia ir à luta pela sua paixão. Começaram os convites, o amor pelos escritores e a sentir-se entre eles e os livros. Uma acumulação em casa, há casas forradas a livros.
Eles são grandes companheiros! Com eles tenho viajado e aprendido.
Adorei, à sempre encanto no que divinamente escreve. Hoje até teve direito, a um beijinho voador da sempre atenta e querida Isaurinda.
Gratidão, estimado escritor. Um abraço enorme.
Obrigado Maria Luiza. Um percurso de vida. A necessidade de saber mais. Saber ouvir. As conversas que eram aulas de gente sábia. Ser humilde. Tudo até correr o risco de me expor. Grato sempre. Abraço
O cronista neste escrito revive o início do seu percurso de escritor. Este marcado pelas vivências inaugurais dos livros e do tempo em que ocorreram. Circunstâncias e singularidade a decidir a vida nos livros e a vida dos livros. Descorbertas essenciais feitas na leitura de certos autores sobre o mundo, a vida e si próprio. Num tempo de construção da identidade. Sempre a alimentar-se das palavras. Dos outros. Para além destes nutrientes, chegou um próprio: o seu. Agora são as suas palavras. E a escrita é a sua vida ( não descurando determinados autores). Agora é autor. Um criador de magia. Aquela que só a beleza das palavras confere. E ela existe neste cronista e poeta.
Obrigado Isabel. Ter outra vida que me enchia o viver. O tempo que roubava ao descanso. Procurar juntar a amizade e o saber. Saber ouvir. Toda uma caminhada de quem se considera ainda um aprendiz. Abraço.
Os nossos grandes amigos…. E o gosto por eles repete-se e é semelhante… o seu cheiro, o toque nas folhas, o virar das páginas, as mais gastas, as mais visitadas, então essas com um valor inestimável! Os proibidos do nosso tempo… a preferência pelos autores!
E lindo o seu percurso, Jorge tão bonito e bem delineado., e o prazer de o ler… Belíssimo!
O António Alçada Batista, a Rita Ferro de quem gosto imenso de ler, com quem por acaso conversei, por acaso, num congresso para o qual foi convidada como palestrante.
Digo/lhe francamente… viciante , como toda a que é boa, a sua escrita. Obrigada pelo prazer que me/ nos dá.
Parede, 21 Setembro 2023
Obrigado Maria Matos. Tão bom estar aqui neste nosso espaço. Que agradável surpresa. Os livros são Amigos para a vida. Por vezes chamam-nos para uma conversa. Ser leitor compulsivo leva-nos a viver várias vidas. A conversa com meztres da escrita era a suprema gratificação. Abraço
Algumas semelhanças com o meu percurso de leitora.
Agora, com mais uma mudança de casa iminente, os livros são a parte mais pesada, tanto no transporte como no espaço que exigem. Uma assoalhada não lhes chega…
Beijinhos.
Obrigado Sofia. Sim os livros que carregamos de casa em casa são parte da nossa vida. Não os podemos deixar para trás. Foram nossos inseparáveis companheiros durante pedaços da nossa vida. Acho que eles também gostam de nós. Grato por estares aqui. Abraço
Ficam junto a nós. Perto ou longe. Mas inestimáveis companheiros de todas as horas. Acercamo-nos deles e o seu odor é único. Teria muita dificuldade em ler um deles numa máquina com ecrã.
Amo senti-los. O tacto é um sentido que fui desenvolvendo quando as minhas mãos os acariciam.
Desde muito jovem que temos uma relação muito próxima e profunda. Devorei a vasta biblioteca do meu pai ainda era uma adolescente. Os livros proibidos eram os mais apetecidos.
Aqui me denuncio.
À medida que o tempo foi passando tornei-me mais selectiva e agora leio
vários autores mas dou preferência aos lusos.
Costumo dizer que não tenho espaço.
No entanto, descubro sempre um canto para mais um. E outro. Outro, ainda…
Os livros.
Esses seres encantadores com uma linguagem própria que nos levam por caminhos absolutamente distintos mas apaixonantes.
O Jorge dá-nos o mote e nós seguimo-lo.
É uma espécie de bengala onde nos apoiamos. É um anfitrião inigualável.
É o porta-voz de muitos dos nossos anseios, sonhos, revelias, espantos inquietações, iras, contentamentos, pacificações e paixões.
O pássaro que renasce das cinzas.
Que se regenera e voa. Voa como
as palavras.
Voa e deixa sinais. Livros.
Fênix.
O poeta que brame, sussurra, canta.
Agrada. Envolve. Cativa.
Obrigado Mena. Sempre brilhante minha Amiga. Sim, os livros são tudo isso. Companheiros de uma vida. Amantes e traidores. Uma multiplicidade de sentimentos. Vivem connosco e em nós. Sempre em papel, o cheiro, o tacto. Todo um ritual. Abraço
Maravilhoso! Tão lindo o que escreves, adoro a tua companhia!
Obrigada Querido Poeta!
Obrigado Claudina. Que bom ver-te aqui. Este espaço é também teu. É um espaço de libetdade. Também eu gosto muito da tua companhia. Abraço
Excelente “filme” da tua vida envolta em livros … também proibidos.
Socorro-me da voz de Isaurinda :
“Olha que hoje gostei disto. Tantos e tão diferentes tempos.”
São estes momentos que criam laços afectivos de leitura, onde descobrimos parágrafos que também nos pertencem na história presente e dos anos passados, onde o episódio com José Fanha me emocionou.
Bravo, caro amigo. Por favor, não pares!
Grande abraço.
Obrigado José Luís, Poeta. Que bom teres gostado. O Amor pelos livros é incondicional. Com eles vivemos outras vidas. Somos transportados para lugares distantes. Grato pela tua presença. Abraço
Uma crónica que te identifica. Cheiras a livros. Lembro dos livros que por serem proibidos tinham de ser reservados numa livraria especial, a emoção quando chegavam. Depois aprender a gostar de poesia. É tão bom oferecer, receber ou comprar um livro para nós. É um vício. António Alçada Baptista, sempre atenta ao próximo. Os livros são vida. Há algum tempo preocupo-me que serão deles quando deixar de cá estar. Já falei com a minha filha sobre o tema. Nunca entenderei quem não gosta de ler. Um abraço Jorge.
Obrigado Regina. O oroibido e desejado. Os momentos únicos. Esperar o livro por escrever entre nós e laços. A cave das livrarias. Abraço
Não me admirei, nem um bocadinho com a tua crónica. Cedo me apercebi do teu amor pelos Livros. Na casa dos meus pais havia imensos e uns dentro de um armário que, por serem proibidos ainda não líamos, nem podíamos dizer a ninguém que lá estavam.
Muitos clássicos de autores portugueses li-os bem novita. Era um hábito, após o jantar, estarmos no escritório com os meus pais, os cinco a ler. O rádio mantinha-se ligado para as notícias nacionais e internacionais.( sobre estas estávamos proibidas de falar nisso com quem quer que fosse.) Quando vieres a minha casa, “depois do Joaquim estar melhor ” verás livros que parecem fazer colunas, mesmo do chão. Claro que entre nós, o gosto da Leitura é, igualmente, de irmãos. Bjinho
Obrigado Ivone, minha Amiga/Irmã. Também cedo percebi do teu amor pela leitura. Esses serões deviam ser de uma felicidade imensa. Navegar pela vida nas páginas dos livros. Saber amar os escritores. A minha imensa gratidão pelo teu comentário. Abraço
Bela passagem de testemunho, Jorge.
Também li e ainda aqui tenho já muito amarelinho “Os Nós e os Laços”. Amei!
António Alçada Baptista tinha uma crónica diária na Antena 1 que sempre ouvia com gosto.
Da Rita Ferro tenho vários. Gosto muito de a ler.
Lendo tanto, assim se tornou escritor com uma excelente escrita e sensibilidade.
Lembro-me de que no Campo Grande , havia uma livraria que tinha os livros proíbidos mas, confesso nunca ter entrado.
Uma vez mais, gostei de o ler.
Abraço
Obrigado Maria Rosa. Não calcula a alegria que sinto de a ler neste espaço. Faz bem e liberta. A leitura é a nossa maior escola. Ler sempre. Viver os livros. Abraço
O remédio para a maior parte dos meus males reside na leitura. Não posso dizer que sou um viciado pas para lá caminho. Nos anos de 1960 muita gente fazia-se acompanhar de um livro na mão ou debaixo do braço: parecia bonito, dava uma certa distinção, mas não eram vistos a ler nem a debater o seu conteúdo numa mesa do Café Central, em Almada. Tenho um bom amigo que me disse ser viciado na leitura, chegando a ler os conteúdos dos bilhetes de elétrico.
Um abraço, Jorge!
Obrigado António. Que bom estar aqui. Os livros são nossos companheiros e mestres. Com eles aprendemos e vivemos. Quanto aos que passeavam livros, lebram-se daquele dito: “um burro carregado de livros é um doutor.” Abraço