O Pão Nosso
O Forno, a lenha, o fogo, o calor. Amassar A massa a crescer. Fazer a barriga e as maminhas nas carcaças. A Pá enorme de madeira. Os cavaletes e os tabuleiros. Os panos brancos. O pão a sair quentinho. Que cheiro, que estalar. Esse pão que o meu Pai me ensinou. A Padaria era o meu reino.
O pão branco e o pão escuro, o pão de segunda. O respeito enorme pelo pão. O pão sempre na mesa. Sem pão e vinho a mesa não era mesa. O pão sempre de barriga para cima. Nunca ao contrário. Se um pedaço do sagrado alimento caía ao chão, tinha de ser apanhado e, depois de beijado, ficava pronto para alimentar a vida.
As padarias e os depósitos. O pão comprado ainda quente. A entrega ao domicílio. Tarefa que está de volta. O Pão fresco ao pequeno-almoço. Os sacos de pano pendurados nas maçanetas das portas. O hábito do meu tempo de criança. A carcaça “roubada” à vizinha, porque eu gostava mais do pão dela.
“Ir ganhar o pão”. Assim se explicava a necessidade de ir trabalhar. Outros fornos. Os grandes fornos. Outras ferramentas. O azul sujo contra o branco imaculado. O óleo que mascarrava os operários. A farinha branca que dava um toque de anjos aos padeiros. Tanto o que se fazia para ter sempre pão na mesa.
“…o pão nosso de cada dia…” Foi a minha mãe que me ensinou esta frase no meio de uma oração que rezávamos todas as noites ajoelhados, junto à cama, antes de eu me deitar. O Pai Nosso que eu teimava em chamar Pão nosso. Mais tarde aprendi todas estas orações em latim. Outro som, o mesmo sentido. Outra solenidade. Outro conhecimento. Outra crença.
As lutas pelo pão. O pão que significava o alimento. O matar da fome. Quantos não sofreram ignomínias imensas por lutarem pelo que faltava aos filhos! O pobre que pedia um papo-seco. A triste frase: “Pedir não é vergonha, vergonha é roubar.” Ninguém devia ser obrigado a pedir “o pão nosso de cada dia”.
O pão é mais que um alimento. É um símbolo. É a conquista, à força de braços, de conseguir sobreviver. Com o pão não se brinca. Muitas vezes ouvi esta frase. Era de uma gravidade extrema estragar pão. Até o pão duro era aproveitado para muitas coisas. Deitar pão fora era quase uma ofensa.
O “Pão por Deus”. Dia 1 de Novembro as crianças saem à rua em bandos e batem às casas das pessoas a pedirem o tal pão por deus. Uma tradição que se mantém ainda em muitos lugares. Numa aldeia que vivi antes de vir para esta casa, e bem perto daqui a tradição ainda se mantinha. Tínhamos doces em casa para satisfazer tal peditório. Eles lá iam bater a outra porta.
Pão, suave amor, ternura apetecível. Pão de todos e pão para todos, é o que se exige.
«Hoje lembrei-me do meu pão, da minha ilha. Tanta coisa me passou pela cabeça! Obrigado.»
Voz de Isaurinda.
«Obrigado eu, minha querida. Que bom teres gostado.»
Respondo.
«Hoje fiquei sem jeito. Sabes o valor que dou ao pão!
De novo Isaurinda e vai, uma lágrima na mão.
Jorge C Ferreira Julho/2019(210)
Poder ler (aqui) as outras crónicas de Jorge C Ferreira.
O pão que devia ser VIDA e falta a tantos. O ” teu” pão tão semelhante ao meu, apesar de ser mais velha. O pão à porta; a saca que ficava pendurada na porta à noite e tinha dentro o dinheiro e a quantidade requerida embrulhado em papel . Raramente era roubado. O pão que mata a fome e pelo qual se mata gente. Anacronismos. Fonte de alimento físico e outro ” também pão ” que em palavras alimenta a alma, como as tuas crónicas. Beijo tão terno como pão qente.
Obrigado Ivone tão belo e sentido o que escreves. Tanta ternura quente. Tão grato te estou. Abraço
Perdão, obrigado Raquel.
Mais uma crónica escrita ” com os cinco sentidos”!
Lembrei- me do ditado- ” em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”!
Ainda hoje pratico o que aprendi na infância – não estragar, beijar quando cai ao chão e, sobretudo saborear-. Gosto muito do pão de Mafra.
Obrigada pelas suas/ nossas memórias.
Obrigado Idalina. Sobre o pão tanto para lembrar, tanto para escrever. Um abraço
Uma mesa sem pão é uma tristeza, sem dúvida, meu amigo! Parabéns pela excelente crónica! Obrigada, um beijinho
Obrigado. Madalena. Esse pão alimento e simbolo. Essa fome saciada. Abraço
A tua escrita desperta-me os sentidos.
Sinto o cheirinho inconfundível do pão acabado de cozer.
E acho que não resisto em ir comer um bocadinho de pão com manteiga antes de ir jantar.
E há tantas crianças que dariam tudo por uma carcaça, mesmo sem nada…
Por isso, todos os dias ao pequeno almoço, quando me delicio com duas torradas com manteiga e uma caneca de café com leite, me sinto grata por nunca me ter faltado.
Obrigada pela tua escrita que me leva sempre a divagações.
Um abraço.
Obrigado Maria. Que bomo que me dizes. Que mais posso desejar? Que o pão te saiba bem. Dos sem pão teremos de falar um dia. Abraço
Que bela crónica.O pão. O alimento mais importante.Gostei muito como sempre.
Na cidade onde vivo, o Pão por Deus, ainda é uma tradição. Passo a manhã a distribuir bolinhos e chocolates a grupos de meninos e meninas e isso faz-me feliz. Abraço Jorge.
Obrigado Maria da Conceição. Que bom é manter algumas tradições e vivê-las. O pão sagrado. Abraço
A importância do pão…mata-se a fome com uma côdea de pão.A fome pelo pão quente barrado com manteiga,há quem não saiba o gosto dum pão fresco acabado de cozer,muito menos barrado com manteiga ou outra iguaria. Há e haverá sempre o pão que o “Diabo” amassou…outras histórias que se repetem,a vida que sobrevive com um pedaço de pão. O pão e a hóstia,que milagre apregoado,o pão sagrado,o pão de hoje,um luxo para alguns,há pão de primeira,e pão de segunda… A vida por um pão num qualquer campo de refugiados…Fugi a responder…a minha interpretação sobre o pão,quantos matariam a fome por um pedaço de pão que sobrou numa qualquer refeição e desinteressadamente se deita fora…
Como sempre,um texto de memórias,uma reflexão sobre um punhado de farinha e água que dá pelo nome de pão,o resto falta saber como o ganha pão gera histórias de mil vidas de pobres e ricos,cada um come-o a seu belo prazer…
Obrigado Célia. Que belo texto o teu. Que bom é estares neste espaço. A consagração. Abraço
O sustento da vida. A semente, sacrifício. Alimento, o corpo, o espírito. O cheiro do pão morno ainda é das melhores sensações. A lágrima na mão da Isaurinda, o sal que não faltava ao nosso pão. Bela crónica “Pão Nosso”. Abraço Jorge.
Obrigado Regina. Sim, o nosso pao e a água do nosso mar. Que bonito escreveste. Abraço
Esta crónica tem para mim um significado especial. Nasci e vivi com o cheirinho do pão a sair do forno da padaria. A farinha. Os tabuleiros de madeira com longos panos brancos, onde se colocava o pão tendido com mestria. O pão nosso de cada dia que não podia faltar à mesa.
Também o pão por Deus faz parte das minhas memórias.
Ainda hoje se mantém a tradição nalguns lugares desta zona.
Obrigada pelas memórias.
Obrigado Eulália. Que alegria sinto em lhe ter despertado todas essas sensações . Grato pelo seu belo comentário. Abraço
Uma crónica maravilhosa! Como gosto de pão e o cheiro do pão a sair do forno.
“Pão por Deus”
Recordei a minha infância.
Obrigada querido amigo. Um grande abraço.
Como gostei Jorge!!! Tantas memórias comuns a muitos de nós….o saco do pão pendurado na porta….e tantas outras….
Um abraço e obrigada Jorge!!!
Obrigado Raquel. Que saboroso o seu comentário. Que memórias. Abraço
Obrigado Esmeralda. O pão quente que se ia comprar de madrugada. A manteiga e o sonho. Abraço
Esmeralda o seu comentário está mais abaixo. Abraço