Episódios de vida
por Jorge C Ferreira
Acordar, como se a noite tivesse sido eterna. Um ambiente desconhecido. Um rosto que com ternura olha para nós. Momentos que já vivi mais vezes. Chega quem cuida de nós há muitos anos. Ganhamos outro conhecimento, outra coragem.
Mais um tempo de espera. Um frio que tubos que expelem calor nos vão aliviando. Nada consta na minha memória de um tempo que desconheço. Dizem-me que está tudo bem e eu acredito. No lugar onde estou não sei se é dia ou se é noite. Vêm-me à memória os que vivem em bunkers a ouvir o flagelo da guerra.
Perdemos a noção do tempo. Não quero saber que horas são. Só me lembro de uma voz calma me dizer:
- Bons sonhos.
Depois disso só me lembro de acordar. Não sei se sonhei. Não retenho nenhum sonho na minha memória. Se alguém fez comigo aquela viagem, deve tê-la feito de uma forma tão suave que não se fez sentir. Sei, no entanto, que muitos estiveram comigo durante aquele tempo. Isso é deveras gratificante. Gente que me ama e que eu amo. Gente sempre presente.
Vamos acordando lentamente. A minha ansiedade vai crescendo. Tudo e qualquer coisa me faz sofrer. Não são dores físicas. É a cabeça que não conseguimos controlar. Todos os meus mais chegados estão ali. Estou num quarto enorme e com uma boa vista. Tudo é amplo. Ligo a televisão. Sei que logo vai haver um jogo de futebol. Vou ver. Sei que a minha companheira de há mais de 40 anos vai ficar comigo. Nunca ficarei sozinho, o que me acalma um pouco.
A presença do meu filho e da minha genra, da minha afilhada, que é como se fosse minha filha, do meu neto do coração, são uma luz especial naquele quarto. Lembro-me quando levava os dois de mão dada ao futebol. Os lugares cativos. O nosso clube de sempre. A verde esperança tão necessário nestes momentos.
Passa um comboio para Cascais. Vai parar na minha segunda terra. A terra onde moro desde 1975. A terra que comecei a ir no verão com 11 ou 12 anos. A Parede. Também sou um pouco osga. Na minha amada Lisboa, onde nasci, só vivi até aos 27 anos. Saudades tantas que tenho de ti, minha amada cidade. Contigo vivi a minha vida mais intensa, uma vida a correr. Os dias que pareciam eternos. As noites até ao fim de tudo.
Amanhã espero dormir de novo na Parede, mantendo as saudades imensas da minha Lisboa. Cidade, rio, gaivotas, ruelas e bairros populares, as minhas escolas e a minha velha casa. Todos os que perdi. Todos com quem aprendi a vida. Também os amigos da rua e depois do café e os jogos infindáveis, as aventuras sonhadas e tornadas realidade. As ternuras das sombras da noite. A ingenuidade de uma certa malandragem.
A noite não foi boa companheira. Quer queiramos, quer não, as noites em certos lugares são sempre longas e incómodas. As manhãs tardam sempre em chegar e, quando chegam, é como se a liberdade chegasse de novo.
Sim, porque a claridade é a liberdade toda. O dia claro. O sol a beijar-nos a vida.
«Que bom cá estares de novo. Tem, agora, cuidado contigo.»
Fala de Isaurinda.
«Vou ter, e espero que tu me ajudes, como sempre.»
Respondo.
«Sabes que sim. Orei por ti, para que corresse tudo bem»
De novo Isaurinda e vai, a benzer-se.
Jorge C Ferreira Maio/2023(394)
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“Episódios de vida”, cronica de excelência…Momentos vividos, ansiedade, uma experiência de vida, neste caso bem sucedida, felizmente ! Muitas felicidades e óptima recuperação, meu amigo…Abraço apertado.
Obrigado Manuel Costa e Silva. Os percalços e a busca de vencer outras etapas. A ansiedade que não ajuda. Muito grato meu Amigo. Abraço grande.
O despertar dum sono sem tempo. Devagar, vozes sussurrantes vão chegando. Perde-se a noção do dia, da hora, do lugar.
Ouvir tudo correu bem, traz-nos ao mundo real. O amor dá família e amigos faz-nos acreditar.
A vida. Vai fazendo destas surpresas.
Bom regresso Amigo. A sua escrita é vida. Tudo está bem.
Obrigada pela partilha. Quero continuar a lê-lo.
Grande abraço.
Obrigado Eulália. O caminho que vamos fazendo. Os problemas que tentamos ultrapassar. Os que nos amparam. Muito grato pelo seu comentário. Abraço
Verdade. Um sonho do qual, nunca nos lembramos. Felizes os que têm a seu lado, os que amam e cuidam. A família.
Embora quem cuida da nossa saúde, nos dê segurança, tão importante nestes momentos em que ficamos, um pouco perdidos.
Tudo correu bem, longa vida lhe desejo.
Como Isaurinda, também tenho o hábito de orar.
Nunca esqueço os Amigos. Esperança sempre.
Beijinhos, meu Amigo.
Obrigado Maria Luiza. Tentar ultrapassar os percalços. A ajuda dos que nos gostam. A minha imensa gratidão, minha Amiga. Abraço grande.
Amei o teu texto! Que o Sol continue a brilhar por longos anos na tua vida e Família!
Obrigado Claudina. Caminhar é preciso. Muito grato por tudo, minha Amiga. Abraço
Um quarto de hospital.
Paredes brancas. Batas brancas. Branco medo.
Um sono de apagar a luz. Rápido. Indolor.
O despertar.
Presenças de acender o coração.
De regresso à noite. Sombras. Brumas. Pensamentos inquietos.
Quanto desassossego?
Voltar a casa. Aos velhos hábitos. À vista do mar? Ao odor das ondas? Ao azul do todo ?
Ao abraço. Ali. Tão perto. Protector.
Esperar.
Voltar às letras. Ao convívio com a poesia.
À sede e à fome de escrever. Insaciável amor !
Esperar.
Confiar.
A esperança não bate à porta. Entra. Sem ser convidada. Lê-lhe um poema teu.
Não mais sairá de perto de ti. Sorrindo…
Obrigado Mena. És sempre brilhante nos comentários que aqui deixas. É tão bom ler o que escreves. A minha imensa gratidão. Abraço grande
Boa tarde Jorge
Como é hábito, gostei muito da crónica.
Mas fiquei triste, imensamente triste, desconfortável. Há dias ou momentos em que a nossa sensibilidade tende a levar-nos para lugares sombrios, indesejados, ao mínimo rastilho.
Episódios de vida! Que bom ter amigos, amor, carinho bem junto a nós, quando mais fragilisados nos sentimos. “Sou frágil”.
Uma vez, já adulta, tive um febrão, ultrapassando os 40 graus (médico foi a casa de urgência). De olhos bem fechados, não vendo e nem ouvindo ninguém à minha volta, senti-me a levitar em direção a uma luz muito intensa branca, escaldante, qual ícaro em direção ao sol!
Só vim a saber na manhã seguinte que me tinham espetado uma injeção de dose cavalar de antibiótico . não tendo sentido nada. Não me julguem psicótica, mas adorei aquela sensação de levitar, inesquecível.
De outros episódios bem penosos, não me apetece falar.
Temos de nos cuidar, Amigo.
Abraço
Fernanda
Obrigado Fernanda. As experiências limite. Acordar sem saber. Viver. Sim devemo-nos cuidar. A minha gratidão por estar aqui. Abraço grande