Crónica de Eugénio Ruivo — Primeira prisão pela PIDE Jan 1971

Eugénio Ruivo cp3

Crónica de Eugénio Ruivo
Primeira prisão pela PIDE Jan 1971

Eugénio anda tudo à tua procura! 1.ª prisão

 

Eram 10 H 00 do dia 27 janeiro de 1971 quando (pela surdina) me encontrava a falar com o oficial torneiro mecânico o Miranda sobre assuntos da Guerra Colonial.

De repente, oiço gritos a chamarem-me, “Eugénio anda tudo à tua procura!”, refleti dizendo para comigo, já está!

Desloco-me em direção à bancada de trabalho, e vejo uma Brigada de 6 pides, destacando-se um deles com o dedo em riste, e uma voz de ordenança e me diz — abra-me já essa gaveta!

Abra-me já essa gaveta, ordenava o PIDE/DGS!

Alguns operários meus colegas observando aquele ato, ficam incrédulos e a Pide rapidamente os afastou daquele local.

Abri a gaveta das ferramentas, e com ela havia uns textos (por mim escritos) sobre sindicalismo, ou seja, a necessidade de cada trabalhador se sindicalizar com vista a defender os seus direitos.

Juntamente é-me apreendido um livro sobre de Fundamentos de Economia Política de Ninkitim, mas é um papel de 35 linhas (de cor azul) que lhes desperta a atenção, era “Uma Procuração” passada pelo Dr. Jorge Sampaio, caso fosse preso pela PIDE/DGS, passaria a ser meu advogado, (sabendo que nunca estaria presente em fase de interrogatório…), exclama imediatamente um PIDE após a sua leitura:

Ah! então você já sabia que ia ser preso?

Fez-se silêncio e daí sou levado ao vestiário para passarem uma revista ao meu armário vazio.

A prisão fora feita na oficina de automóveis da Austin à Rua das Laranjeiras (perto de Sete-Rios) e designada por grande parte dos meus colegas por “Tarrafal”, por ser a pior oficina em matéria de condições de trabalho.

Entrava pelas 8H00 e saía às 17H30 para ir estudar à noite na Escola Industrial Afonso Domingues em Marvila, para sair ao último tempo às 23H, e dali para casa onde residia na Charneca do Lumiar, atravessando desse modo parte da cidade de Lisboa.

No trajeto, de regresso do vestiário, dão-me empurrões, olham-me de forma “fulminante”, dizendo: temos muito por esclarecer.

Sou colocado no carro (no banco detrás) entre dois pides, que me acotovelam, já com insultos e provocações, até à sede da PIDE/DGS na (famigerada) Rua António Maria Cardoso (hoje um apartamento de luxo).

Quando chego, de imediato sou levado ao último andar e colocado numa sala de interrogatório. Vejo uma mesa e duas cadeiras no centro da sala, e o pide ordena: -sente-se já aí!

Começam os interrogatórios, com as palavras do chefe de brigada Santos Costa:

— já sabemos 90% das suas atividades, por isso não tem nada a perder. Tem aqui uma folha de papel e escreve.

Silêncio, silêncio, e passado algum tempo sou acareado com um preso, à pergunta — você conhece-o?

A resposta imediata foi Não!

Os interrogatórios sucedem-se (ininterruptamente) com as provocações, murros na cara, água gelada é despejada pelas costas.

Os pides durante os interrogatórios assumem várias posturas: ou de pide/bom, ou de pide/mau, num contínuo deambular pela sala, onde permaneço até 24H00 e, de onde sou levado para a cela de isolamento da cadeia do Forte de Caxias.

Passados dois dias, pelas 9H00 sou levado de novo a Lisboa para os interrogatórios, que duram até às 24 horas. O mesmo comportamento psicológico do pide/bom, vai-se alterando, perante a minha recusa em responder, dizem-me; não valer a pena estar a negar de ser membro do PCP.

Silêncio e dali levam-me de volto a cadeia de Caxias.

Dois dias de intervalo, quando jantava pelas 18H em Caxias, o guarda prisional abre o postigo e diz-me, prepare-se para ir à polícia.

Pensei, agora é que vão ser elas!

Eram 20 H quando após vários espancamentos, prostrado na sala, entra o inspector Tinoco e me pergunta — o que lhe fizeram?

A sua mãe está tão doente!

Você é do SLB ou do SCP?

Naquele momento tive uma “crise nervosa”, só acordando de madrugada na cela de isolamento em Caxias, ladeado por dois pides.

Não sei o que se passara, mas quando abri ligeiramente os olhos, os membros superiores começam a rodar (sem qualquer movimento voluntário) num movimento automático. Os pides gritam para o enfermeiro, levo umas injeções. Não sei quanto tempo passei naquele estado, mas num dia sou colocado junto de dois presos políticos do andar debaixo. Ao fim de algum tempo sou levado para a sede da PIDE/DGS (onde quase que não podia andar) sou libertado com uma caução de 3000$00, sendo entregue na sede da Pide aos meus pais.

 

Eugénio Ruivo 2024-02-05

 

Nota da redação: no ano em que se comemoram os 50 anos do 25 de abril, o Jornal de Mafra pediu a Eugénio Ruivo, um ex-preso político residente no concelho de Mafra, que nos contasse como se vivia em Portugal no período da ditadura. Serão 12 crónicas em 12 meses, que tendo em conta a atuais guerras na Europa e no Médio Oriente, a situação política em França e na Argentina e as próximas eleições nos Estados Unidos, poderão ajudar-nos a lançar um olhar para trás, olhando para a frente.

 


Eugénio Ruivo
Nasceu em Lisboa em 1953. Reside no concelho de Mafra e fez o Mestrado em Educação Física e Desporto no Agrupamento de Escolas Professor Armando Lucena. Mantém atividade política desde 1968, tendo passado pela CDE (comissão Democrática Eleitoral), pelo MAESL (Movimento Associativo dos Estudantes do Ensino Secundário de Lisboa) e participado no 3.º Congresso da Oposição Democrática em Aveiro. Em 1970 adere ao Partido Comunista Português. Em janeiro de 1971 é preso pela PIDE/DGS, voltando a ser detido em março e em novembro de 1971, sendo então enviado para o Forte de Caxias. Novamente detido em 1973 e finalmente, a 6 de abril de 1974 é libertado a 27 de abril, com os restantes presos políticos, pelo Movimento das Forças Armadas.
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