Crónica de Alice Vieira | Viagem à Madeira

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VIAGEM À MADEIRA
Alice Vieira

 

Gabava-me de conhecer bem  a Madeira, de tantas vezes que lá tenho ido—desde que lá caí pela primeira vez nos anos 90, a convite do então Padre Edgar, que tinha fundado o MAC (Movimento Apostolado das Crianças) onde fazia um trabalho extraordinário com os miúdos de rua de Câmara de Lobos, criando, entre outras coisas, escolas abertas para os ensinar a ler e a escrever.

Já nem me lembro como ele se lembrou de mim—mas a verdade é que foi ele que me levou pela primeira vez à Madeira.

Depois meteram-se convites de escolas, bibliotecas, Feiras do Livro, algumas idas em trabalho pelo “Diário de Notícias”,etc

Neste fim de semana era uma Feira do Livro no Funchal. Coisa rápida, que o trabalho não dava para longas permanências na ilha, eu chegava numa sexta e voltava no sábado.

Pois.

Mas em todas as vezes que por lá tinha andado, nunca me acontecera aquilo que muitas pessoas agora me dizem acontecer muitas vezes: as condições atmosféricas a cancelarem aviões a seguir a aviões…

Mandavam-nos para as portas de embarque—mas depois só víamos nos écrans “mais notícias às 19 horas”,”mais notícias às 21 horas”, “ mais notícias às 23 horas”…e a gente ali feita parva, horas e horas de olhos postos no écran, como se esperássemos a qualquer momento uma aparição de Nossa Senhora…

Rapidamente se formaram grupos, e a minha amiga Catarina tomou-se de amores por um rapazito que por lá andava, bem jeitoso por sinal, que tinha no smartphone dele uma aplicação extraordinária onde se viam os aviões a aproximarem-se da pista e depois a voltarem para trás, e depois outra vez  a  aproximarem-se, e  depois a  rumarem para o Porto Santo ou de volta a Lisboa. Horas nisto.

Lá pela uma da manhã ouço chamar o pessoal do meu voo  para se dirigir para a Porta 3, é agora, é agora, nem quero acreditar, embora a minha amiga Catarina torça o nariz porque a tal aplicação do smartphone do tal moço bem parecido mostrava o avião a voltar para trás—e, na realidade o que nos queriam era dar vouchers para um hotel onde teríamos de passar a noite, e um bilhete para o avião da manhã.

Pronto, nem tudo está perdido, pelo menos logo pela manhã vamos poder ir por esses céus fora…

O grupo lá foi—menos o rapaz jeitoso, que a minha amiga Catarina, apesar de solteira e sem namorado, não quis aceitar o meu conselho de  levar a reboque .

Mas ainda o que havia de bom no meio daquilo era a fantástica disposição de nós todos—e do pessoal do aeroporto, e do pessoal do hotel…Uma das empregadas ria ,ria e só dizia, com aquele tão típico sotaque madeirense: “os aviões começaram todos a andar mal desde que o aeroporto se chama Cristiano Ronaldo…”

Na manhã seguinte lá voltámos, e mais uma vistoria das malas, e mais umas apalpadelas—e o altifalante a indicar-nos a porta de embarque. Boa, boa, agora é que vamos –mas a minha amiga Catarina franzia o nariz, porque tinha encontrado, outra vez, o tal moço jeitoso, e a aplicação mostrava o avião a dar voltas e mais voltas, sem conseguir aterrar na pista.

Horas e horas ali…Todos a pensarmos no trabalho que tínhamos em Lisboa e a que íamos faltar, e a tentarmos ligar para o adiar –até finalmente , já a meio da tarde,entrarmos todos para o primeiro avião que se aventurava a levar o pessoal até Lisboa.

Nem queríamos acreditar quando nos vimos sentados lá dentro.

Exaustos, a cabeça a andar à roda, lá fomos.

À saída no aeroporto de Lisboa, várias outras companhias nos esperavam para encaminhar passageiros que seguiam para outros países.

“Toronto? Toronto?”—berrava uma mesmo na nossa frente.

É então que o tal rapazinho jeitoso avança e diz:

“Depois disto tudo que passámos, obrigada pelo convite, mas vou de metro.”

E desapareceu pelo aeroporto, deixando-nos estafados, sim, mas a rir à gargalhada.

Nada como o sentido de humor para nos valer em aflições.

E continuo a dizer que a minha amiga Catarina desprezou ali um grande partido…

 


Poder ler (aqui) as outras crónicas de Alice Vieira.


 

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