Um passeio por Sintra
Por Alice Vieira
Antes de a minha pátria ser a Ericeira, Sintra era a minha terra preferida. Passei por lá há dias (há quantos anos lá não ia…) e senti-me cheia de saudades.
Em miúda vivi numa aldeia (hoje vila) perto de Sintra, chamada Rio de Mouro. E como em Rio de Mouro não havia nada, íamos quase todos os dias para Sintra.
Como penso que toda a gente sabe, em Sintra viveu, no século 19, o poeta inglês Lord Byron. E os portugueses orgulham-se muito disso, até porque Lord Byron, num dos seus poemas, se referiu a Sintra como “um paraíso glorioso”—mas só para depois desancar nos portugueses, que ele odiava e dizia que eram gente desprezível, nunca cumpriam as leis, etc … E nós, parvos, demos o nome dele a ruas e até há por lá um restaurante chamado “Cantinho de Lord Byron”
Adiante…
Todos os domingos íamos a Sintra almoçar à Pensão Nunes, porque os meus tios eram muito amigos dos donos, que eram os pais do Raio. Claro que a gente mais nova nem faz ideia de quem é que eu estou a falar… O Raio era um dos grandes jogadores da equipa portuguesa de hóquei em patins. Emídio Pinto, Raio, Jesus Correia, Correia dos Santos, Edgar, etc., etc. … Lembro-me de todos. E a gente mais nova pode não acreditar, mas nesse tempo o hóquei em patins era muito, mas muito mais popular que o futebol! Em dia de jogo, interrompiam-se os filmes nos cinemas para dar o resultado do fim da primeira parte e da segunda. Cheguei a ir com os meus tios a Montreux, na Suíça, para assistir a uma final − em que ganhámos, claro… Ganhávamos sempre… Foi por isso que a popularidade declinou, não dava emoção nenhuma. Lembro-me que uma vez ganhámos ao Japão por 13-0… E também porque a televisão começou a transmitir os jogos—e nem se via a bola.
E Sintra também tinha uma boa equipa (embora a melhor de todas fosse o Paço d’Arcos, donde era a maioria que pertencia à selecção nacional) − e sempre que podia, eu não faltava a um jogo.
E depois aproveitava e andava a passear por Sintra… Para lá do Palácio da Vila, do Palácio da Pena, e do Palácio de Monserrate, fazia a Volta do Duche, ia parar à Cruz Alta e à Igreja de Santa Eufémia, e ficava horas diante do Chalet da Condessa d’Edla, a pensar naquele grande amor que uniu D. FernandoII–depois da morte de Maria II – àquela grande cantora de ópera alemã. De resto, D. Fernando II foi sempre um grande protector de todas as artes. Quando hoje falamos de “bolsas de Estudo” raramente nos lembramos que a expressão vem da frase “do bolso d’el-rei”, porque era de lá que provinham todos os apoios.
E depois adorava perder-me pelos jardins e grutas e recantos misteriosos da Quinta da Regaleira e tentar descobrir todos aqueles estranhos enigmas que, segundo se diz, têm a ver com a Maçonaria, os Templários, a Rosa Cruz
E, pelo meio de tudo isto, a sombra de Eça de Queiroz a pairar sobre as nossas cabeças.
Desculpem lá, hoje pareço um guia turístico… São as saudades…
Alice Vieira
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia e é considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.
Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira