Um homem bom
Por Alice Vieira
Meus amigos.
Já há algum tempo que ando para vos falar aqui de um homem bom, que é meu amigo há muitos anos–até porque homens bons não andam por aí muitos.
Mas depois metiam-se outros assuntos pelo meio — até porque normalmente a gente liga mais a coisas más do que a coisas boas (é só ver os jornais e os telejornais, que normalmente só falam de coisas más…) e fui adiando.
Mas hoje decidi-me.
Se calhar porque anda aqui pela Ericeira um temporal danado e temos mesmo de nos lembrar de coisas boas para ficarmos um pouco mais animaditos.
É um homem que todos conhecemos (vocês também, tenho a certeza) e que todas as tardes, há mais de 20 anos, aparece diariamente na RTP.
Conheci muito bem o pai dele. Era um grande actor de revista, e conversávamos muito. Claro que o miúdo acabava sempre por vir à baila. E quando eu lhe perguntava se ele já estava a trabalhar, ele ria-se, “deixa-o gozar a vida, ainda é um miúdo… Tem tempo!”
E era verdade, claro.
Mas um dia, de repente, o meu amigo morre. Uma morte que ninguém esperava, até porque ele tinha apenas 42 anos e nem estava doente.
E então, também de repente, o filho—o tal
que ainda era um miúdo e gozava a vida e não fazia nada — tornou-se, aos 17 anos, cabeça de casal. (Caso vocês não saibam, “cabeça de casal” é aquela pessoa que tem de tomar conta da família toda.)
Eu nunca vi um miúdo (que era o que ele realmente era), de repente, a fazer tudo e mais alguma coisa para sustentar a família, para que não lhes faltasse nada. Ele trabalhava em tudo o que lhe aparecia, desde breves aparições nos teatros, a entregar coisas em casa das pessoas, onde houvesse qualquer coisa para fazer, ele fazia, e sempre de ar alegre, sem nunca se queixar.
E, com todo esse esforço, ele conseguiu não só cuidar da família como tornar-se, desde há vinte anos, o actor mais conhecido do país, à frente de um programa que deve ser o que mais audiências tem.
Mas há ainda mais: as pessoas que vão ao programa levam sempre muitas prendas. E ele aceita tudo, claro, agradece muito, dá beijinhos e abraços—mas nunca fica com coisa nenhuma (a não ser alguma coisa que tenha o seu nome gravado ): no final do programa ele manda entregar tudo a quem mais precisa.
É claro que, a esta hora, já descobriram de quem eu estive a falar: trata-se do actor Fernando Mendes, que aparece diariamente no “Preço Certo”.
(Ah, e já agora, o pai era o grande actor de revista Vítor Mendes, igualzinho a ele antes de ele emagrecer muito).
Espero que da próxima vez que virem o “Preço Certo” olhem para ele—sempre bem disposto!—de outra maneira.
Alice Vieira
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia, sendo considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.
Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira