TURISMO EM LISBOA
Alice Vieira
Acabo de chegar de Colónia.
Uma semana rodeada de alemães, a participar, com alguns colegas portugueses ,num encontro de literatura infantil.
Tudo organizado ao milímetro (alemães…) desde os motoristas que nos iriam buscar e levar ao aeroporto, até aos que sabiam na perfeição onde eram as escolas e bibliotecas onde cada um de nós devia ir , até às professoras (de origem portuguesa ou sabendo muito bem o português) que, naqueles dias, tinham por missão acompanhar cada autor português, não o largando nem um minuto.
Quer dizer: senti-me perfeitamente em casa.
Até vi o Portugal-Marrocos numa esplanada, com todos os alemães a torcerem por nós…embora, vá-se lá saber porquê, não morressem de amores pelo CR-7.
Regresso a Lisboa, meto a chave à porta, e sou engolida por uma nuvem de pó, acompanhada de um barulho ensurdecedor de berbequins e martelos e essas coisas.
Pois.
Naquela semana toda tinha-me (quase) esquecido de que a minha casa estava em obras.
Obras a sério.
Nada de tirar umas prateleiras e substituir por outras.
A sério mesmo.
Canos retirados.
Casas de banho deitadas abaixo.
Paredes que tinham desaparecido.
Quartos cheios da tralha que era retirada do lugar das obras .
Acho que até a pele se me começou a encher de borbulhas só daqueles momentos à entrada da casa.
Passou-me uma coisinha pela vista—e vá de agarrar no telemóvel para ver se descobria algum hotel com um quarto livre aqui bem perto de mim. Claro que a minha primeira reação foi “vou já para a Ericeira!”—mas o pior é que tinha trabalho todos os dias em Lisboa…
Foi difícil, confesso : Lisboa está a transbordar de estrangeiros, como se sabe –mesmo que seja, como ouvi há minutos num estudo divulgado na televisão , uma das 100 cidades mais caras do mundo…
Mas de repente lá encontrei. Um quarto vago durante uma semana, aqui num hotel mesmo no fim da minha rua.
Quando eu era muito, muito mas mesmo muito pequenina, fazia-me impressão por que é que havia hotéis em Lisboa. Lisboa era onde as pessoas viviam. Para quê hotéis?
Rio-me quando penso nisso, claro. Mas, em 75 anos de vida, esta é a segunda vez que durmo num hotel de Lisboa. E a primeira vez nem conta muito, acho eu. Passo a explicar: no tempo em que os jornais tinham dinheiro e muitas páginas que era preciso encher, o “Diário de Notícias” mandou-me fazer uma reportagem sobre “A Burguesa de Mil e Novecentos que Chega a Lisboa ”
Vai daí, como me tinha de enfiar na pele da dita burguesa, dormi uma noite no Hotel Palace, mesmo junto à estação do Rossio, e almocei no Tavares. Experiências que, evidentemente, nunca mais voltei a repetir…
E pronto.
Depois de me ter sentido em casa em Colónia, estou feita turista num hotel de Lisboa. Ontem até me perguntaram se queria ir num “Tour de fado no Bairro Alto”.
Mas eu estava cansada demais– e turismo tem limites.
Espero sobreviver.