Teatro amador
Por Alice Vieira
Quando eu era mais nova — e não tinha tanto trabalho como tenho hoje…— uma das coisas que eu mais gostava de fazer era ir por esse país fora assistir a espectáculos de grupos de teatro amador.
E nesse tempo havia muito bons grupos de teatro amador. Alguns tão bons ou melhores que os profissionais, sendo que, nessa altura, também se chamavam grupos de Teatro Experimental. (Lembram-se, por exemplo, do Teatro Experimental de Cascais, ou do Teatro Experimental do Porto).
Nessas minhas andanças pelo país vi muita coisa boa e muita coisa má. Mas o que é estranho é que não me lembro de quase nada do muito bom que vi—mas nunca esqueci o muito mau.
Lembro-me, por exemplo, de estar numa terra lá para os lados de Beja, onde o grupo de teatro amador ia representar a peça “A Severa”, de Júlio Dantas. Era uma peça de que os grupos amadores gostavam muito.
Então estávamos todos lá, alguns sentados chão, outros de pé, o costume.
E a peça lá começou. E eu a adorar porque, como já disse, para mim quanto pior, melhor.
E então chegou aquela altura, extremamente dramática, em que a Severa está quase a morrer, e entra o Marquês de Marialva para passar os últimos minutos a seu lado.
Segura-lhe nas mãos — e lá vem o diálogo:
— Então, Severa, como vais tu?
–Mal, vou muito mal!
E é então que o Marquês de Marialva responde, com o melhor sotaque alentejano:
–Deixa lá, Severa, vais tu, vou eu, vai toda a gente!
Foi uma risota que nunca mais acabava—e a melhor “Severa” que eu vi na minha vida
Alice Vieira
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia, sendo considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.
Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira