Quando o perigo nos ameaça
Por Alice Vieira
Quando esta crónica for publicada, já decorreram as eleições. Mas no momento em que a escrevo, ainda não. Devo dizer que não tenho tido muita paciência para ouvir todos os candidatos até porque, como desde sempre sei em quem vou votar, não preciso que eles me convençam. (Por acaso devo aqui confessar, que este ano tive algumas dúvidas: gostei muito daquele candidato — infelizmente não decorei o nome do senhor nem o nome do partido — que prometia, se fosse eleito, acabar com o covid…)
Mas é o covid, é a chuva que não há meio de chegar, tornando esta seca assustadora, tudo coisas para aumentarem a depressão com que ando. (Mas parece também que anda toda a gente deprimida: quando eu digo isso a uma amiga ela responde logo “também eu!” A minha psiquiatra diz que são estes tempos difíceis que atravessamos, adiante.
Com tudo isto o que eu queria dizer é que a crónica de hoje vai ser para pôr as pessoas a rir, que é disso que nós, urgentemente, precisamos.
E, antes de mais, juro que o que vou contar é verdade, só a verdade, nada mais que a verdade. Tudo se passou exactamente como eu digo—e até tenho testemunhas.
Isto para não pensarem que, por falta de assunto, escrevi a coisa mais incrível e idiota que me passou pela cabeça.
Então aí vai.
Vim passar uns dias a Lisboa. Consultas de rotina, eleições, essas coisas.
Chego a casa, no carro do Sr.Vidinhas, que é sempre quem me traz da Ericeira a Lisboa, muito divertida com as histórias todas que ele me foi contando pelo caminho. Abro a porta da rua, abro de seguida a minha caixa do correio — e encontro uma carta dos CTT. A pedir-me, com uma certa urgência que lá fosse porque era preciso desalfandegar (isto custa a escrever e a ler, desculpem…) um embrulho que tinha chegado para mim. O embrulho não tinha podido sair da alfândega e só eu é que podia fazê-lo, assumindo a responsabilidade total do meu acto… O papel dizia que o embrulho tinha ficado retido na alfândega porque havia fortíssimos indícios de se tratar de objectos proibidos ou roubados, armas, drogas, coisas assim. Eu nem queria acreditar no que os meus olhos liam. Passei em revista todos os meus amigos, todos os meus conhecidos, e nenhum era ladrão, assassino ou drogado. Pelo menos que eu me lembrasse.
Mas depois reparei que a carta também trazia, mesmo em baixo, a referência à proveniência: o tal perigosíssimo embrulho tinha-me sido enviado… pela Biblioteca Apostólica da Cidade do Vaticano. Era um livro que me tinha sido enviado pelo meu querido amigo Cardeal Tolentino Mendonça.
A funcionária dos correios também se fartou de rir—mas não tive outro remédio senão preencher uma data de impressos complicados, tudo on-line, e jurar que me responsabilizava pelo conteúdo do embrulho
E pronto. Espero que se tenham divertido.
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia e é considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.
Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira