Crónica de Alice Vieira | Quando eu era novo

Alice Vieira

 

Quando eu era novo
Por Alice Vieira

 

Não era assim um grande dia de praia,  as nuvens ameaçavam chuva, mas eles nem pareciam ligar a isso. Estavam ambos sentados  a uma mesa da esplanada da Praia do Sul, aqui na Ericeira. Diga-se que, quer chova quer faça sol, a esplanada da praia está sempre cheia de gente e é giro ver uma data de pessoas na praia com guarda-chuva.

Estes deviam ser velhos amigos porque parecia conhecerem-se muito bem e não paravam de conversar.

De repente um deles disse:

“Quando eu era novo, nunca vinha para esta praia”

O outro ficou admirado.

“Nunca vinhas para esta praia? E porquê?”

“Ora, porque o meu pai não gostava. Dizia que o mar era muito bravo, que ninguém podia nadar aqui, que mesmo com os vigias era um perigo, e que estava sempre muito frio…

Alguns minutos de silêncio e logo:

“ O meu pai é mesmo chato…Não digas nada a ninguém mas juro que fiquei muito contente quando eles  se divorciaram..
“E a tua mãe gosta desta praia?”

“Adora !  Está sempre aqui comigo. E nunca quer que eu fique sozinho. Nisso é também um bocado chata. Não me deslarga, que seca! Nem sei como não me levou com ela agora .Mas tenho de admitir que quando eu  era novo ela era bem pior. Quando eu era novo ela nunca, mas nunca me largava.”

Uma senhora aproxima-se da mesa, com um casaco na mão e um gelado na outra:

“ Toma lá o gelado que pediste mas veste primeiro o casaco. Eu não quero que te constipes, que a escola começa já para a semana.”

Pois é.

Aqui na Ericeira as pessoas envelhecem muito depressa…

Alice Vieira


Alice Vieira
Trabalhou no “Diário de Lisboa”, no“Diário Popular” e “Diário de Notícias”, na revista “Activa” e no “Jornal de Notícias”.
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia e é considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.

Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira


 

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