O salvador da pátria
Por Alice Vieira
O Sr. João Tavares é taxista.
Apanhei-o aqui perto de casa e, antes que eu pudesse dizer fosse o que fosse, pergunta-me
“Conhece o Costa?”
Estava eu a pensar em quantos Costas conhecia e já ele continuava:
“Preciso de lhe falar”
Foi então que percebi que ele se referia ao Primeiro Ministro.
Vai contando a sua vidinha, diz já ter feito de tudo , desde pertencer à Marinha Mercante que, segundo afirma, lhe está a dever milhares de euros, até andar pelas Américas. E afirma que tem um plano infalível para pôr Portugal no primeiro lugar entre todos os países do mundo, no que toca a bem-estar, emprego, cultura e, sobretudo saúde.
Claro que é um plano que, à partida, exige algum investimento mas, ele já fez as contas, estará completamente pago “dentro de 14 a 21 anos”.
Garante que é um plano facílimo, já completamente estruturado na sua cabeça, –mas não cai na asneira de o divulgar.
Ele quer, pura e simplesmente, enfrentar o Primeiro-Ministro na televisão.
Mas também só divulga o plano depois de o nosso Primeiro lhe passar uns milhõezitos para as mãos , claro. Já todos sabemos que neste mundo não há almoços grátis.
De repente vem-me à cabeça uma rábula de uma revista muito antiga do Parque Mayer, em que a Dora Leal, fazendo de cigana à porta de uma barraca da Feira Popular, berrava : “Um escudo, um escudo, e a Dora diz tudo!”
É claro que isso já foi mesmo há muitos anos, o custo de vida aumentou muito e, por um escudo (ou um euro…) já ninguém diz seja o que for.
Mas por alguns milhões, o Sr. João Tavares até dá a receita da felicidade.
Já tentou a televisão, mas respondem-lhe que, se ele não escrever exactamente aquilo que pretende lá ir dizer, nada feito.
E ele não vai nessa, tá quieto ó mau, ele revelava o plano e depois outros apropriavam-se dele, não?
Garante que não quer enriquecer, mas apenas uma vida desafogada, e vender o táxi . O que não é muito para quem tem nas mãos o santo-e-senha da entrada para o paraíso.
Interlocutor só aceita um: António Costa.
E é bom que António Costa se apresse.
Primeiro, porque, com este ano desgraçado, a crise não se aguenta.
E depois porque, se a resposta tardar, ele vai direitinho a Espanha oferecer (“oferecer” é, como já vimos, uma força de expressão) os seus serviços.
Eu, se fosse ao meu amigo António Costa, apressava-me a mandar chamar o sr, João Tavares antes que ele desande para Espanha, mesmo com o vírus a alastrar por lá.
Quando quiser, Sr. Primeiro-Ministro, é só dizer, eu tenho todos os contactos. Até porque o Sr. João Tavares prometeu fazer a minha felicidade se eu o ajudar a fazer a felicidade de toda a gente.
Actualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia e é considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.
Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira