Crónica de Alice Vieira | O que dizem as palavras

O que dizem as palavras
Por Alice Vieira

 

“Não há serviço de mesa?”

Chama-se a isto iliteracia. Quer dizer : sabem ler, mas não praticam.

Ou olham para sinais e são incapazes de os descodificar. Voltando a esta praia : nos acessos, há enormes riscos no chão em verde , de um lado, com uma palavra em grandes letras que diz “descer por aqui”; e outros , do outro lado, em vermelho, e a dizer “subir por aqui. “

Claro que é tudo ao molhe e fé em deus.

E acontecem coisas semelhantes em tantos, tantos sítios.

Por exemplo : as pessoas que chegam ao IPO. Estão numa sala, onde há vários balcões numerados, e várias cadeiras — e uma máquina onde têm de enfiar o seu cartão numa ranhura, e depois no écran surge aquilo que têm de fazer.

Por exemplo: “dirija-se o balcão 3 “; ou “espere nesta sala até a chamarem.”, etc.

É limpinho : para onde é que eu vou? Qual é o balcão?, que é que eu tenho de fazer?, quando é que me chamam?

Infelizmente sou cliente assídua, e ponho-me sempre ao lado da máquina, porque sei que ninguém se entende, e eu estou ali para ajudar (até me chamarem, claro…)

E quando vamos a entrar num avião?

Ouve-se dizer , por exemplo, viajantes com bilhete com número entre 10 e 50, ponham-se nesta fila que vão entrar.

Põem-se TODOS na fila e vão dizendo “veja lá se é este”, “veja lá se é o meu”.

É sempre, sempre isto.

As pessoas são incapazes de fazerem o mínimo, mas absolutamente o mínimo raciocínio.

Isto para não falar da questão do uso das máscaras — e isto já tem a ver com outras coisas.

Um  casal, há dias.

Ele: “põe a máscara”.

Ela : “quando vier um polícia ponho.”

Por isso gostei, mas gostei mesmo, quando há dias, no paredão da praia ouvi um miúdo, que não teria mais de sete ou oito anos,  dizer para um senhor que vinha ao lado dele: ”ó  avô, se ali diz que não se pode descer à praia é porque não se pode descer à praia. Não entendes?”

Ah, grande rapaz ….Ainda vais chegar a Presidente da República.

Alice Vieira
Trabalhou no “Diário de Lisboa”, no“Diário Popular” e “Diário de Notícias”, na revista “Activa” e no “Jornal de Notícias”.
Actualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia e é considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.

Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira


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