Novos tempos
Por Alice Vieira
Às vezes, quando estou de manhã na esplanada da praia do Sul (sim, podem lá ir ter comigo, se quiserem) e olho para aqueles miúdos que andam por lá (surfistas e não só), começo a pensar como tudo mudou nestes últimos anos — e ainda bem!
Nunca me lembro de dizer “ah! No meu tempo é que era bom!”
Ai era? Os que dizem isso têm a memória muito curta… Como cantava a Juliette Gréco (espero que ainda alguém por aqui se lembre dela…)
“é sempre tão bonito o tempo que passou
perdoamos a todos os que nos ofenderam
os mortos são todos uns tipos bestiais”
Pois, mas eu tenho a memória bem viva de como tudo era dantes.
Todos vigiados, proibições para tudo, desconfiávamos até do vizinho do lado que podia ser da polícia, etc, etc
E também na nossa vida pessoal. Lembro-me de me irem buscar ao liceu (nem pensar em vir sozinha), e de me obrigarem a despejar a pasta para verem o que tinha eu lá dentro. O receio delas era que eu tivesse lá algum bilhete de algum rapaz!! (Sempre tão vigiada, donde é que o rapaz podia aparecer?)
Era nisto tudo que eu pensava quando há tempos o meu filho me telefona a dizer que ia levar a minha neta mais nova, (de 14 anos), a passar uns dias na Ericeira. O meu filho também tem uma casa na Ericeira (isto é paixão de família…). Depois de a deixar em casa, o meu filho veio ter comigo à esplanada, para me dar uma cópia das chaves que podiam ser precisas.
“Ela vai lá ficar sozinha?”, perguntei eu.
“Não, que disparate! Fica com dois colegas da turma dela da escola!”
“Ah, boa”, digo eu a sorrir e cá por dentro a pensar se, no meu tempo, (ou mesmo no tempo de alguém mais novo do que eu…) uma miúda de 14 anos podia ficar numa casa sozinha com dois miúdos da mesma idade, sem mais ninguém!
E ainda por cima levada pelo pai!!
A primeira vez que o meu filho ficou sozinho numa casa com a namorada, já andava na Faculdade! (Por acaso está casado com essa namorada há 27 anos…)
E a minha outra neta, quando há tempos eu lhe falava de todas as dificuldades que eu tinha tido para casar com o avô, abriu muito os olhos e só exclamou:
“E para que é que vocês queriam casar?!”
Estes são mesmo—e ainda bem—tempos muito melhores!
Alice Vieira
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia e é considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.
Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira