Crónica de Alice Vieira | Macau agora e dantes

Alice Vieira

Macau agora e dantes

Por Alice Vieira

 

Leio, na revista “Além Mar” deste mês de Janeiro, um grande artigo sobre Macau.

O título diz logo (quase) tudo: “Fé e prosperidade no Império do Meio”. E as imagens atestam a veracidade do título: grandes edifícios, grandes avenidas, pessoas bem vestidas, etc….

Estive em Macau há 25 anos, na transição de Macau de Portugal para a China, para escrever uma série de livros infantis com várias lendas e histórias desse território.

Mas olho para estas fotografias—e como tudo mudou nestes anos!

O governo português tinha dado ordem para que todas as placas, toda as indicações fossem escritas em português. Ao menos que isso lá ficasse.

Foi lindo.

Lembro-me de haver, perto da casa onde eu vivia, um edifício chamado “Mexe Quadro Casa” — a tradução literal de “Movie Picture House” — ou seja, um cinema.

As pessoas — que eram supostas falarem português — diziam-nos, muito amavelmente, “bom dia!”, ou “boa tarde”—mas não sabiam mais nada.

E havia uma relação muito íntima entre as pessoas e os espíritos. Lembro-me de ver um dia, um miúdo, filho do casal em casa de quem eu ficava, ir fazer xi-xi diante de uma árvore e começar a falar com a árvore.

“Que é que ele está a dizer?”—perguntei ao pai

“Está a pedir aos espíritos que se afastem”

E a comida era uma coisa estranhíssima. Dizia-se que os chineses comiam tudo o que tivesse quatro pernas, menos mesas e cadeiras; e tudo o que voasse, menos aviões.

Lembro-me de comer lagartos, cobras, cães, gatos — fora aquilo que comi sem saber o que era… Um dia, ia eu a passar por uma rua e ouvi uns miados assustadores: era um homem que agarrava com uma tenaz o pescoço de um gato vivo e o deitava para dentro de um caldeirão de água a ferver.

Depois vim para Portugal e escrevi seis livros pequenos (mais tarde reunidos num único volume) de ”Contos e Lendas de Macau”. Depois ainda escrevi outro — para adultos – chamado ”Macau: da Lenda à História”, com a história verdadeira do território.

Gostei muito de lá ter estado—mas nunca mais lá voltei.

 

Alice Vieira


Alice Vieira
Trabalhou no “Diário de Lisboa”, no“Diário Popular” e “Diário de Notícias”, na revista “Activa” e no “Jornal de Notícias”.
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia, sendo considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.

Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira


 

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