Jornais e tecnologias
Por Alice Vieira
De repente fiquei sem computador—e estava a ver que não podia mandar a crónica esta semana
O vírus deve ter entrado no meu computador e o desgraçado, durante três dias, nem uma nem duas. Recorro ao meu técnico (o meu salvador nestas ocasiões), ele dá-lhe voltas e mais voltas, depois mete-o debaixo do braço e leva-o para casa para o arranjar. Trouxe-o três dias depois, mas ainda não está completamente bem : amanhã volta cá para mudar o teclado.
Mas por agora funciona.
E eu penso como estas máquinas fazem de tal maneira parte das nossas vidas, que não podemos passar sem elas.
E recordo os meus primeiros tempos de jornalista, quando os computadores ainda nem eram sonhados por cá.
Eu vivia na Ericeira, estava grávida, e todas as manhãs tinha de me meter no carro para ir até ao Diário de Lisboa. Sem autoestradas, eu demorava uma hora e meia na ida e outra hora e meia na volta.
E nem sequer tínhamos telefone em casa.
Eu devia ter um ar tão cansado que um dia o meu camarada de redacção Sttau Monteiro chamou-me e disse “não venhas nesta semana, precisas mesmo de descansar”.
Olhei para ele, espantada.
“E a minha secção, quem a escreve?”
“Fazemos assim, tu arranjas um telefone donde possas ligar , dás-me um toque só para me dizeres o número de telefone, e eu depois ligo todos os dias à hora que combinarmos , tu ditas-me o texto, eu escrevo tudo e depois mando para a tipografia.”
“Ó Sttau , mas tu sabes, que os meus textos são grandes, para aí cinco páginas…”
“E então? “
Ninguém, senão ele, me faria isto.
E durante muitos dias lá ia eu passar a manhã para casa do meu primo José Franco, que fazia lindíssimos bonecos de barro e me dava uma ginjinha maravilhosa –e, coisa muito mais importante, tinha telefone, para onde o Sttau ligava à hora marcada
Eram boas manhãs, porque eu gostava muito do meu primo , gostava de o ver trabalhar o barro, gostava de ver aquela gente toda que lá chegava em camionetas para o ver trabalhar e comprar alguns dos seus bonecos
E o jornal fazia-se.
Penso muitas vezes que as novas gerações de jornalistas nem imaginam o que era então trabalhar num jornal. Paginar no chumbo…(Eu ainda hoje sei ler da direita para a esquerda, com a prática que se adquiria a paginar no chumbo…)…Tirar muito poucas fotografias de cada serviço que íamos fazer (Se gastávamos mais de um rolo, levávamos logo uma rabecada do chefe…)
Eu não quero dizer que antes é que era bom, nada disso, mas gosto de ter vivido o antes e o agora, ai isso gosto.
E de uma coisa tenho a certeza. Naquele tempo, sem escolas de jornalismo nem nada dessas coisas—não se davam tantos erros de ortografia como hoje. Tenho a certeza de que não havia nenhuma jornalista que escrevesse “e depois falaríasse de…”, como uma me escreveu há dias , numa nota que me enviou.
Actualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia e é considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.
Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira