Ir às escolas
Por Alice Vieira
Às vezes—confesso—sinto-me um bocado cansada de ir às escolas que me chamam. Parecendo que não, há coisas que já não são para uma octogenária como eu. E quando me vêm com aquela de que “o que é preciso é juventude de espírito,” eu respondo logo como respondia a minha prima Maria Lamas, quando vivi com ela em Paris: “o pior é que a juventude de espírito não me ajuda a descer escadas”
Voltando às escolas. É claro que depois de lá estar, eu até gosto de falar com os miúdos e divirto-me com as perguntas que fazem, com aquilo que ignoram, e regresso com alma nova.
Aqui na Ericeira há um restaurante onde vou muito. A comida é boa e sobretudo os empregados são muito simpáticos — e, para mim, voltar a um restaurante quer dizer que lá são todos muito simpáticos. Se a comida for boa, ajuda, claro. Mas não é o principal.
E sobretudo um dos empregados da casa, aí pelos quarenta anos de idade, dizia-me sempre adeus se me via passar na rua— e já sabia qual a mesa que eu preferia. Depois passou-me a abraçar quando eu chegava e quando eu saía.
Até que um dia não se conteve. Quando estava a deixar-me a comida na mesa, riu e disse:
“Já a conheço há tantos, tantos anos!”
Não percebi. Eu só vivo na Ericeira há meia dúzia de anos, onde é que ele me teria visto? Donde é que ele me conhecia?
Ele lá se descoseu:
“Quando eu andava na escola primária, a senhora foi lá à minha escola! O que eu gostei! Falou comigo, interessou-se pelo que eu estava a fazer, perguntou-me de que disciplina eu gostava mais, e escrevia-me sempre um postal no dia dos meus anos! Tenho-os todos guardados! Porque não dizia só “parabéns!” Não. Perguntava como ia a escola, desde o dia em que lá tinha estado, se a professora era a mesma… O que estava eu a ler, se estava a gostar… Uma data de coisas… E um dia eu respondi-lhe, e a senhora escreveu-me outra vez”
Saí e fiquei a pensar que realmente não posso deixar de ir às escolas.
Porque depois fica-se tão feliz quando se ouvem coisas destas…
E não há nada melhor que uma octogenária contente.
Alice Vieira
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia e é considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.
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