Crónica de Alice Vieira | Ídolos…

Ídolos…
Alice Vieira

 

Na semana passada, em Paris, deram-se os primeiros (e parece que  sólidos) passos para a criação do Instituto da Lusofonia. Com o patrocínio dos presidentes da República de França e de Portugal, da CPLP, da Unesco, da OIF (Organization Internationale de la Francophonie), e do GAFF (Groupe des Ambassadeurs Francophones de France). Três dias de conferências, e debates, com a participação de diversos ministros, deputados, escritores, músicos, artistas dos países de língua oficial portuguesa.

Bom.

Esta é a parte séria da crónica.

Agora vem a parte… se calhar ainda mais séria.

Convidada para estar presente ( e para ser uma das madrinhas do Instituto, o que muito me honrou) aterrei em  Orly no passado dia 6.

Como sempre acontece quando lá aterro, recordei aqueles anos sessenta em que para lá fui fazer pela vida , cantarolando “nous irons,/ dimanche à Orly/ voir les avions/ pour tous les pays…”, que o Gilbert Bécaud então cantava.

A primeira coisa que a pessoa que me esperava me disse foi: “Morreu o Johnny Halliday”.

“Coitado”, murmurei e, para dizer a verdade, não pensei mais no assunto.

Minutos depois estava no hotel a largar a mala e a preparar-me para o primeiro encontro, mas ainda abri a televisão, mais para me informar da meteorologia, porque fazia um frio de rachar e o céu sombrio anunciava muita chuva.

Em todos, mas mesmo em todos os canais só havia emissões sobre a morte do Johnny Halliday. Em directo da casa dele,  em directo das ruas, em directo com os motards que se preparavam para chegar a Paris , em directo da igreja para onde devia ir, em directo da igreja, fora de Paris, onde depois seria cremado, entrevistas antigas, entrevistas recentes, entrevistas com cantores, músicos, cineastas, mesas redondas, documentários, depoimentos –e volta a repetir tudo, minha gente.

Durante os quatro dias em que estive em Paris nunca, mas nunca, as cadeias de televisão falaram de outro assunto. Não sei quantas vezes ouvi o Macron, e a senhora do Macron, e o Sarkozy,  e tudo o que era (ou tinha sido) presidente da república, primeiro ministro, ministro, deputados da nação, directores disto e daquilo.

(O pobre do Jan d’Ormesson, grande escritor, lembrou-se de morrer nesse dia, e foi muito a custo que deram umas imagenzitas, e o Macron lá foi a correr colocar uma caneta em cima do caixão , que acho que era o que ele tinha pedido… E pronto.)

Para aí de cinco em cinco minutos recordava-se o itinerário do cortejo fúnebre, davam-se fotos das filhas mais novas (adoptadas) , e das mais velhas, e do filho, e da mulher de agora, e das mulheres de outros tempos—e aí de repente descubro a Sylvie Vartan ( “é loira, deve ser ela”, murmuro) que por cá, se bem se recordam, ela sempre foi bem mais popular do que ele. De resto, por cá, nesses anos sessenta em que ainda se ouvia música francesa, éramos muito mais admiradores do Adamo, da Françoise Hardy, do Bécaud, do Aznavour, etc. O Haliday não entrava muito nos nossos corações…

Foram milhares e milhares de pessoas que nesses quatro dias desfilaram em Paris. Uma grande parte da cidade –Madeleine, Étoile, Campos Elíseos, etc –esteve cortada ao trânsito e as estações de metro encerradas. (E imagine-se o trânsito nas outras…). A Avenida dos Campos Elíseos eram só cabeças de  pessoas a desfilar—e 700 motards à frente.

Milhares e milhares de pessoas.

À chuva, ao vento, de manhã, à tarde, à noite, de madrugada.

Um dos muitos comentadores convidados rematava assim a  sua intervenção:

“Nestes dois últimos séculos só três pessoas mereceram esta homenagem nacional: Victor Hugo, De Gaulle, e Johnny Halliday”

E não digo mais nada , que ainda estou em estado de choque.

 

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