Falando de livros
Por Alice Vieira
Dizem-me que no Iraque os donos das livrarias não guardam os livros quando fecham as lojas — e ninguém rouba nada.
Isto pode significar uma coisa muito má ou uma coisa muito boa.
Comecemos pela má: as pessoas detestam ler, nunca lêem nada e por isso não vão encher a casa de tralha que não lhes serve para nada — e os donos das livrarias não têm de se preocupar.
Se for uma coisa boa: as pessoas adoram livros e por isso são incapazes de privar os outros da sua leitura e por isso deixam-nos no lugar de sempre.
Esperemos que seja esta a razão certa.
Quando os meus netos eram pequenos viveram muitos anos em Inglaterra, na cidade de Leicester. E aí havia uma coisa semelhante. Eles viviam muito perto da grande livraria Waterstone — onde eu estava sempre caída. No último andar da livraria havia um café. Nós entrávamos, escolhíamos um livro de que gostássemos e íamos para o café lê-lo. Ao sairmos, se estivéssemos a gostar muito do livro, ao pagarmos o café pagávamos também o livro e ele era nosso. Se não gostássemos, deixávamos ficar lá o livro — e só pagávamos o café. Claro que também havia a hipótese de voltarmos no dia seguinte (e no outro, e no outro ) até lermos o livro todo. E nunca pagarmos mais por isso.
E havia muitas livrarias que também faziam uma coisa engraçada: na hora do fecho, punham vários caixotes à porta com livros que tivessem algum defeito (uma coisa mínima, uma página repetida, a capa um pouco estragada) e as pessoas que passavam podiam levar os que quisessem, sem pagar um centavo.
Eu já fico muito feliz por haver, aqui na Ericeira, à entrada do Parque de Santa Marta, uma pequena estante, que todos podem abrir, com livros que podemos levar –e devolver depois de lidos. E também deixar livros nossos que não vamos reler e podem servir para outros leitores. Para além disso aos domingos temos um alfarrabista numa das ruas principais onde podemos comprar livros (actuais e em muito bom estado) e depois devolvê-los (e levar outros, e então pagarmos uma quantia simbólica) se não os quisermos reler.
Resumindo: por aqui não há desculpa para não se ler.
Alice Vieira
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia, sendo considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.
Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira