Em louvor dos correios
Por Alice Vieira
Ora cá estamos, confinadas. Uma amiga minha diz “confitadas” porque, segundo ela, ao menos assim parece que estamos num banquete a comer coisas boas.
E nestes últimos dias, para além de confinadas por causa do vírus, ainda estamos confinadas por causa da chuva.
Mas como agora, muito resguardadas, de máscara e luvas, já podemos dar uma voltinha, tinha tudo preparado para ir deitar uns postais ao correio (muito perto de minha casa). Coisa pouca :58, e ainda não respondi a todos. Como eu costumo dizer, por mim os correios nunca irão à falência…
A chuva fez-me alterar os planos.
E como estava a pensar nos correios,–e não quero falar mais no Covid…– lembrei-me de uma história que uma amiga há dias me contou.
Para já , aviso que se trata de uma história perfeitamente inacreditável. Até lhe pedi que me mandasse o jornal onde tinha lido e se eu própria não tivesse lido –e não tivesse ido ao Google pesquisar várias notícias, de várias origens, e visto as fotografias, juro que desatava a rir , “eles inventam cada coisa”.
Mas aqui ninguém inventou nada.
Estamos no ano de 1913.
(Um dos meus netos , quando era pequenino e ouvia falar destas datas distantes, perguntava sempre “isso foi antes ou depois dos dinossauros?” )
Pois imaginem que, nesse ano de 1913, foi possível e habitual nos Estados Unidos… (façam uma pausa…)… mandar crianças pelo correio. Pelo correio, sim, não leram mal. Os familiares levavam-nas à estação de correio mais próxima, e entregavam-nas ao carteiro.
O casal Jesse e Mathilde Beagle, do Ohio, foi o primeiro a tomar essa atitude . Tinham sido pais há 8 meses de um menino—James—e estavam desejosos de o mostrarem aos avós e aos tios, que viviam longe.
Pagar uma viagem de trem , da sua aldeia até à cidade ,estava fora das suas posses—e foi então que se lembraram do carteiro.
Este ao princípio achou estranho, era a primeira vez que lhe era pedida uma coisa daquelas mas, por muita papelada que consultasse, também não encontrou norma nenhuma que o proibisse.
O bebé estava bem vestido, para não apanhar frio, e Mathilde costurou-lhe na roupa o endereço deles e o endereço dos avós. O carteiro pesou-o, para ter a certeza de que ele estava no limite de peso das encomendas, colou-lhe uma data de selos na roupa –e Mathilde pagou apenas 15 cêntimos.
Enfiou-o para dentro do saco onde levava a correspondência—com a cabeça e os braços de fora –ao menos isso…
E lá foram. Quando chegaram ao seu destino os parentes estavam à espera de James, e foi uma alegria. E depois de muitas festinhas e beijinhos, entregaram-no de novo ao carteiro para ele o levar de volta a casa..
Em que estado é que James chegou—isso é que as notícias não dizem, mas podemos imaginar.
Este caso depressa se espalhou e foram muitos os que fizeram o mesmo.
Até que, em 1914, os jornais Washington Post, New York Times e Los Angeles Times fizeram uma campanha fortíssima para acabarem com este disparate. A campanha teve sucesso e, em 14 de Fevereiro o envio de crianças pelo correio foi proibido—o que não impediu que continuasse a acontecer até finais de 1915.
Mesmo assim ainda se levantaram muitas vozes em várias aldeias, a apoiar a ideia, dizendo que isso só provava a confiança que o mundo rural tinha nas empresas de correios.
Eu também acho que é muito bonito mostrar a nossa confiança nos correios…mas convenhamos que esta foi um pouco exagerada.
Actualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia e é considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.
Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira