E falemos de cantigas
Por Alice Vieira
Juro que não vou falar de eleições, embora me apetecesse muito. Mas ia desatar para aqui a dizer asneiras, chamar nomes às pessoas— e não vale a pena.
Vamos então falar do Festival da Canção, que ocorreu há dias.
Dantes o Festival da Canção era uma coisa muito importante. Mesmo muito importante.
Tudo parava, as lojas fechavam, as pessoas só pensavam na hora de abrir o televisor e preparem-se para a festa.
Uma vez, trabalhava eu ainda no Diário de Notícias e, na véspera do dia do festival, estava a escrever um artigo sobre isso, para informar os leitores: a que horas fechavam as lojas, os teatros, os cinemas, quando reabriam, etc.
E Iiguei para o Teatro Nacional a saber se também fechava.
Eu era muito amiga da D. Amélia Rey-Colaço
e ela ficou ofendidíssima com a pergunta:
“Ó Alice, isso nem parece seu! Francamente! O Teatro Nacional fechar por causa de uma porcaria de um concurso de cantigas? Claro que não fechamos!”
Pedi muita desculpa pela pergunta e desliguei.
Passados alguns minutos liga-me e, quase num murmúrio, diz-me “também fechamos”, e desligou logo.
E era sempre assim. Deitávamos os miúdos cedo para não nos aborrecerem — e só tínhamos olhos e ouvidos para o Festival da Canção.
Lembro-me que uma vez, na altura em que o nosso concorrente era o José Cid, o “Diário de Notícias” até me mandou durante uma semana para Haia, para fazer as reportagens do acontecimento, que nesse ano se realizava nos Países Baixos.
E foi assim durante muitos anos.
E, verdade se diga, o Festival da Canção teve canções extraordinárias: “Desfolhada “, “Sol de Inverno”,“ Tourada”, “E Depois do Adeus”, Chamar a Música”, etc, etc… E, muito recentemente, o “Amar Pelos Dois” do Salvador Sobral (que, pela primeira e única vez, nos fez vencer o “Festival da Eurovisão”)
Mas claro que não tem a importância que tinha. Desta vez duvido que aqui na Ericeira muita gente tenha ligado a televisão para o ver—até porque temos coisas bem mais divertidas para fazer como, por exemplo, ir beber um vodka-caramel ao Bar Neptuno.
Eu nem sequer sabia que canção íamos apresentar, nem quem a cantava.
Resumindo e concluindo: tudo tem o seu tempo — e o Festival já teve o seu.
Alice Vieira
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia, sendo considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.
Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira