Crónica de Alice Vieira | As gracinhas dos nossos filhos

Alice Vieira

As gracinhas dos nossos filhos
Por Alice Vieira

 

Quando o meu filho era miúdo — claro que os nossos filhos são sempre miúdos, mas neste caso, miúdo mesmo, para aí oito, nove anos — viajava muito.

Jogador de xadrez, viajava muito com a Federação para participar em campeonatos por esse mundo fora. Então, eu pedia-lhe que, onde quer que estivesse, me mandasse um postal com as notícias (onde é que ainda vinham os telemóveis…).

Coisa que ele cumpriu sempre.

Por isso, há muitos anos que guardo um lindo postal de Valladolid, onde ele escreveu: “Mãe, não tenho nada para dizer”

Mas cumpriu a promessa e isso é que era importante.

E fui juntando postais e postais mais ou menos como esse.

Até que ele foi crescendo e o teor dos postais ia variando ligeiramente.

Uma vez, estava ele a fazer Erasmus na Alemanha, ainda lhe tentei ensinar alemão, mas ele não estava para aí virado. Só consegui que soubesse dizer, em alemão, “um café, por favor”, para quando parasse nos apoios de estrada (naquele tempo nem podia ouvir falar em avião e ia sempre de carro). Um dia decidi ir com ele até à Alemanha e, quando parámos no seu habitual apoio de estrada, ele disse, no alemão mais correcto “um café, por favor” (“ein Caffe, bitte”) — ao que o senhor respondeu com a única coisa que sabia dizer em português: ”cabo de São Vicente”.

Um dia, já mais velho, em Amsterdão, num intervalo dos jogos, num postal com a célebre rua das meninas, escreve apenas (ele nunca levava muito tempo na escrita…) :

“Mãe, isto aqui é como cantava o Zeca Afonso, “em cada esquina uma amiga”.

E até hoje tem sempre explicação para tudo.

 

Alice Vieira


Alice Vieira
Trabalhou no “Diário de Lisboa”, no“Diário Popular” e “Diário de Notícias”, na revista “Activa” e no “Jornal de Notícias”.
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia, sendo considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.

Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira


 

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