Amor com Amor se Paga
Alice Vieira
Por esta altura, mas há dez anos, eu estava na Suécia. Mais exactamente na Feira do Livro de Gotemburgo.
Eu ia receber um prémio pela edição sueca da “Flor de Mel”, e outros autores portugueses também por lá andavam, cada qual com os seus motivos.
Entre eles o Richard Zimler, a apresentar a edição sueca de um dos seus livros.
Não se pode dizer que a adesão do público à minha presença ali e ao meu livro estivesse a ser grande, mas pronto, eu ali estava, como era meu dever, com a editora sueca, a tradutora e a ilustradora ao pé de mim, mas todas nós em tranquila cavaqueira como se estivéssemos, sei lá, no hall do nosso hotel.
Até que, de repente, eu vejo o Zimler perder a paciência, levantar-se da cadeira onde estava, pegar no meu livro e desatar a gritar a fazer-lhe publicidade, a dizer às pessoas que se aproximassem, e que falassem comigo e que vissem como o livro era bom e que o comprassem.
Nunca me hei-de esquecer dessa cena.
E se a recordo hoje é porque o Richard Zimler também se lembrou dela na passada 4ª feira, quando do lançamento do seu último (e excelente!) romance “Os Dez Espelhos de Benjamin Zarco”, na sala do El Corte Inglês.
Sala cheia, gente muito interessada, público atento, filas para os autógrafos—até porque a apresentação da Irene Flunser Pimentel também tinha contribuído para que aquela fosse uma tarde onde todos se sentissem bem e com muita vontade de ler o livro.
Zimler agradeceu a todos a presença, nomeou quase todos um por um, mas não resistiu a constatar que, sim senhora, o importante era estarem ali os seus editores, a tradutora, os seus amigos e fiéis leitores mas… onde estavam os seus camaradas de ofício? Onde estavam os escritores? Na verdade, tirando a Patrícia Reis e eu…mais nenhum se avistava.
Para concluir—e com muita razão—que escritor é bicho complicado, que não morre de amores pelos seus parceiros, e que nestas coisas nunca aparece.
E é verdade. Em todos os lançamentos de livros a que vou (incluindo os meus…) são raríssimos os autores que encontro. Se há profissão onde não exista o mínimo espírito de classe—é esta.
Não estou a ver nenhum outro autor (e sou amiga de uma data deles!) a fazer o que o Zimler fez, há dez anos, na Feira de Gottemburgo – e , no fim da sessão, disse-lho.
“Lembrei-me tanto disso,” exclamou ele, e lá recordámos ambos essa cena, a rir, e ele naquele seu português/americano a explicar:
“Então, eu tinha de fazer qualquer coisa! Eles passavam e nem olhavam! Não podia ser! Palavra de honra, eu nunca vi gente tão fria como os suecos!”
É por isso que a minha amizade pelo Zimler—mesmo que esteja no Porto, que ande pelos EUA ou por onde for—não esmorece nunca.
Por isso ele também foi, até agora, o único camarada das escritas para quem eu tricotei um belo cachecol azul. Que já anda em muitas fotografias que ele tirou.
Isto é assim mesmo: amor com amor se paga.