Crónica de Alice Vieira | Afinal para onde é que vamos?

Afinal para onde é que vamos?
Por Alice Vieira

 

Prometi ,na crónica passada,  que a de  hoje ia ser mais divertida Estou a fazer os possíveis, juro que estou ,mas.. estou a ver que não.

Porque não há meio disto melhorar… Pessoalmente até estou bem, sem depressões nem nada dessas coisas.

Mas…

Há  dias que  suspiro pelo meu café em Lisboa, que vai ficar em lay-off a partir de 2ª feira (mas, para animar um bocadinho o pessoal, vamos lá fazer hoje—a meia dúzia que lá cabe, com as devidas distâncias, não se preocupem, ali somos muito cumpridores..—uma almoçarada de caracóis…)

Os hotéis ainda estão quase todos fechados (por isso acho graça quando as pessoas lastimam que não venham turistas…E onde os punham?)

Afinal para onde é que vamos, depois destes meses todos?

Por onde quer que a gente se vire, só dá com coisas destas. Nada parece ir para a frente…

Mal (muito mal)  acomparado, só me apetece dizer “foge cão, que te fazem barão; para onde, se me fazem visconde “ (desculpa lá, ó Garrett)

Aqui foge-se de um sítio—e logo o outro é pior.

Damos voltas e mais voltas à cabeça para encontrarmos coisas para fazer que nos prendam em casa…mas já vamos nisso há quase quatro meses, e a nossa imaginação começa a ter limites.

O que me vale é que a clausura me abriu de par em par  as portas do mundo tecnológico.

O meu filho diz que nem me reconhece…

Pedem-me—e eu faço tudo.

Vídeo-chamadas? É para já.

Zoom? Tenho dois marcados para amanhã—um com a universidade do Funchal, outro com a Biblioteca de Ílhavo

Gravações? É só dizerem dia e hora..

Skype? Já está.

Necessidade aguça o engenho…

E agora até ando enfiada num vocabulário novo—porque até as palavras podem contribuir para o nosso bem estar…

Estou “sozinha”? Não, estou “protegida”.

Estou “confinada” ?  Não, estou “protegendo vidas”

Isto é o “fim do mundo” ?  Não, isto é “um mundo novo” (esta é sobretudo para o meu irmão, que passa o tempo a dizer que isto é o apocalipse…Tadinho…)

Isto é “uma tragédia”? Não, isto é uma “mudança”

Isto é um “problema”? Não, isto é “uma oportunidade”

Temos medo? Não, temos “confiança”

Temos “tédio”? Não, “temos uma pausa para a criatividade”

O que nos tem valido—há que dizê-lo—é o trabalho dos nossos artistas…Eles gravam peças, eles cantam, eles fazem sketches , eles fazem leituras–que se podem ver na net,  alguns até fazem  gravações propositadas para a televisão.

Bom,mas para isto ficar realmente um pouco mais divertido—pelo menos para mim…–no próximo mês assento arraiais na Ericeira, a minha segunda pátria… Todos os que me conhecem bem me avisam : “olha que os bares estão fechados…” ( a má fama que eu tenho…)

Mas também aí as palavras nos salvam: não há bares? há snackbares… E está o assunto arrumado…

Alice Vieira
Trabalhou no “Diário de Lisboa”, no“Diário Popular” e “Diário de Notícias”, na revista “Activa” e no “Jornal de Notícias”.
Actualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia e é considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.

Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira


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