A morte de um amigo
Por Alice Vieira
Têm sido uns tempos complicados, com a morte de alguns amigos. E nunca se está à espera de que os nossos amigos nos deixem. Para nós, os nossos amigos são eternos.
E um desses amigos era alguém que toda a gente conhecia: Jorge Nuno Pinto da Costa.
Sabia que ele estava muito doente, que já andava e falava com dificuldade—mas nunca estamos preparados para a morte dos nossos amigos. (Também me irrita quando as pessoas me dizem, como justificação, “ah, mas também já tinha uma certa idade!” Mas há alguma idade certa para morrer? A minha tia Aurora, por exemplo, fez agora 99 anos, e está óptima.
Bom, mas adiante)
Eu gostava muito do Pinto da Costa.
Não pelo futebol– isso para mim era-me completamente indiferente – mas porque era uma pessoa fascinante.
Era um homem extremamente culto.
Falava várias línguas (ouvi-o falar um alemão perfeito), sabia vários poemas de cor (ouvi-o recitar, sem uma falha, o “Só” do António Nobre e muitos do José Régio.)
E era um homem muito honesto: gostava de uma mulher? Casava com ela! Conheci-lhe cinco mulheres (uma de cada vez, claro)
Era um prazer conversar com ele, e distinguia muito bem um inimigo de um adversário. E, como ele explicava, a sua relação com ambos era totalmente diferente: muito respeito pelos adversários, e respeito nenhum pelos inimigos.
Gostei muito de saber que ele tinha deixado tudo escrito em relação ao enterro: quem queria que fosse, quem não queria que fosse, como queria que fossem vestidos (nada de preto, tudo de azul–a cor do clube)
Contou tudo isto na grande entrevista que deu ao “Alta Definição” — e que a RTP voltou a transmitir, ao anunciar a sua morte.
Tenho a certeza de que vai fazer muita falta.
Alice Vieira
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia, sendo considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.
Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira