Crónica de Alexandre Honrado
Visitações
A emissão da televisão do Estado interrompe a intervenção da Reitora da Universidade Católica para ouvir um padre comentar, com muitos lugares-comuns, os dias que se vão vivendo. Eu sou apanhado desprevenido, mas não fico surpreendido. Há sempre nestes e noutros eventos uma cultura do atropelo e do desdém pelo que acontece, que não traz já nenhuma novidade aos que ainda gostam de saber as novidades. Das imagens à margem desta interrupção, só me ficou aquela em que Marcelo recebe o Papa e trata o senhor como se ele fosse um pano de pó para sacudir. Pobre Francisco, convalescente e idoso, mas mãos energéticas de Marcelo. Enfim. Desligo rapidamente a TV, sou de outras falências da ecranização e do consumo. Aproveito e escrevo umas linhas. Ao voltar a casa cruzo-me com as vizinhas mais devotas cá do bairro. Não fomos ver o papa, que aquilo é muita gente e está muito calor. Enfim, tenho de pensar noutras coisas, penso eu.
Num País laico, com a convivência saudável entre o que é a política e o que é a liberdade religiosa, sobrou pouco espaço para os laicos com esta visita papal. Faltou o espaço nas ruas, nos órgãos de comunicação, nos lugares públicos em geral, nas grandes superfícies dos afetos e da civilização. Nada que não fosse esperado, mas que mesmo assim esmaga o discernimento com o peso da inevitabilidade.
As Jornadas não teriam esta dimensão não se desse o caso de arrastarem multidões previamente mobilizadas pelo mundo inteiro. Creio que apenas um país – as Maldivas! – não se fez representar. Não teriam sido vistas como negócio, como as viram os negociantes, ou como grande oportunidade de recolher dividendos políticos, como o fizeram alguns políticos. Não teriam sido interpretadas como realização ecuménica, não fosse a proximidade de algumas religiões, que sabem como Portugal é uma exceção entre os Países excecionais do Mundo. Para aqueles que ficam a um canto a roer as pernas das suas mesas, onde assentaram o computador e aproveitaram a comunicação em rede para destilar alguns ódios, estas Jornadas desmentem a sua acidez. O que é plural é bom, o que se miscigena é salvador, o altruísmo é superior aos ódios – ódios que considero sempre revoltantes.
Alexandre Honrado
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