Crónica de Alexandre Honrado
Vai ficar tudo bem
Foram meses fugazes aqueles em que o poder e a responsabilidade do mundo, estrangulados nas mãos dos mercados, voltaram aos Estados. Quase dois anos, marcados pelo pânico e pela ignorância, presidiram a essa estranha migração, mas a causa foi-se esbatendo, os negacionistas foram sorrindo como se tivessem razão, e a desorganização humana voltou ao que era.
Sim, falo da passagem da Pandemia pelo planeta, falo da epidemia da COVID-19, tão absorvida pelos populistas, tão improvisada pela Democracia, tão receada pelos autoritarismos (o autoritarismo chinês a querer descartar-se da paternidade do fenómeno; o autoritarismo russo a manipular dinamicamente, como é sempre o seu hábito, a opinião pública através da censura cerrada à opinião publicada e outras manigâncias que são mais coercivas do que definitivas).
A ingénua palavra de ordem Vai Tudo Ficar Bem, pode dar-se como derrotada. Os mortos não ressuscitarão (foram milhões no planeta); as famílias desfalcadas e com feridas intensas nunca serão as mesmas; a pegada ecológica que se retraiu nos maus efeitos e ganhou alguma qualidade enquanto estivemos fechados, arrastou-se por diante e levou-nos um pouco mais à frente até ao barranco da destruição maciça.
Basta olhar em redor: ninguém lava as mãos com frequência, os mais tresloucados passam por nós de pé descalço nas mesmas ruas onde os animais defecam e os seres humanos conspurcam. Não se educou o mundo, não se alertou o mundo, não se salvou o mundo. Há mesmo quem desdenhe do vírus, quem diga que não conhece nenhuma vítima séria do mesmo, que distancie da ciência em geral e das vacinas em particular, que não foram, para alguns, as responsáveis pelo ar mais respirável que hoje nos é permitido usufruir. E sim, hoje há novas variantes do vírus. E sim, ele continua a atacar. Repare-se como exemplo no Brasil, país que nos parece mais próximo culturalmente, e veja-se a notícia publicada há algumas horas apenas: A taxa de testes positivos para Covid-19 aumentou no Brasil nas primeiras semanas de agosto, segundo dois relatórios independentes divulgados na quarta-feira (30). A alta em ambos os levantamentos é da ordem de 7 pontos percentuais, o que representa o dobro de pessoas que testaram positivo para o vírus Sars-Cov-2.
Fala-se menos, cala-se mais, sofre-se ainda.
Vai tudo ficar bem? Ou não passamos desta massa ignorante de animais capazes de todos os improvisos, habitantes suicidas dos nossos hábitos devastadores?
Felizmente, o poder regressou aos mercados, as taxas de juro subiram, a guerra manda na economia, a época das transferências do futebol está ao rubro. Caso contrário, o que seria de nós, os que nunca deixámos de acreditar que… vai ficar tudo bem.
Alexandre Honrado
Pode ler (aqui) todos os artigos de Alexandre Honrado