Crónica de Alexandre Honrado
Ronaldo
Elaborando um texto, em pecado mortal, cito um autor citado por outro que não referiu a fonte da citação (academicamente é o mesmo que conduzir a prosa para o muro onde o pelotão de fuzilamento fará o resto). Parece-me, todavia, tão certo fazê-lo que nem resisto, atrevo-me, vai disto que amanhã será um novo dia com mais águas nas albufeiras e menos seca nos terrenos, entretanto alagados. E é assim: Isaiah Berlin (filósofo, nascido na Grã̃-Bretanha), manifesta-se pela escrita de Eric Hobsbawn, também britânico, genial marxista matreiro e historiador excecional, dizendo um que disse o outro: “Vivi a maior parte do século XX, devo acrescentar que não sofri provações pessoais. Lembro-o apenas como o século mais terrível da história”. O século mais terrível da história! Das suas ruínas, dos seus milhões de mortes – «das sementes lançadas à terra é do sangue dos mártires que nascem as mais copiosas searas», escreveu José Dias Coelho, ou “O sangue dos mártires é a semente dos cristãos”, afirmou Tertuliano, no Apologético, 50,13) -, da sua vergonhosa marcha, nascemos nós, herdeiros confusos de um passado de loucos afundados na sua loucura assassina. Intérpretes do ódio, usamos hoje
o discurso do ódio, como último recurso de uma afonia trôpega a esperar-nos de braços abertos. Matamos os ídolos não porque fizemos a descoberta (da evidência) de que não há liberdade para os idólatras, mas porque a inveja que lhes temos nos conduz à alegria de vê-los debilitados e falhos na sua prosperidade. A falência do rico, a derrota do vitorioso, a debilidade do herói, a fraqueza do maratonista, e coisas afins. Que felicidade para o corpo da inveja, para os lacraus dos esconderijos, para os salteadores que confundem armas com mãos nuas impotentes.
O discurso do ódio é o da pedra arremessada, do muro vandalizado, da estátua partida a malho, martelo e escopo, desnorte e inveja.
Somos herdeiros dos piores erros do passado. Devíamos parir à parte uma verdade salvadora. E sim, esqueci-me de falar de Ronaldo. Mas, é provável, que esteja a treinar sozinho a um canto deste texto.
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