Crónica de Alexandre Honrado
Pós-memória
Confesso-me profundamente desiludido, triste, empurrado pelo vento fabricado pelas máquinas ideológicas que escondem as brisas e os furacões que a natureza produz e oferece gratuitamente.
Sempre achei que a inteligência, a cultura, a palavra, podiam aliar-se para benefício humano, contrariando séculos de barbárie e de ignorância, de soluções rudes, básicas e ignorantes, a resposta pela brutalidade, na ponta dos punhos e das armas.
Era uma utopia minha que com o avanço histórico e cultural da Humanidade a humanidade se encontrasse, fizesse um acampamento de paz e em torno da fogueira morna dos projetos de bem comum e encontrasse soluções de caminhos pacíficos e em conjunto. Não esperava ver arruaceiros sem causa a partirem montras e a incendiarem propriedade alheia, gente a esmurrar-se em recintos desportivos que pela sua natureza seriam de competição e de apaziguamentos, facas a matarem inocentes, armas de fogo nas mãos de gente insana, líderes políticos tresmalhados como reses atiçadas, escolas onde não se quer aprender, saúde que se quer privatizar, líderes espirituais sem espiritualidade, ícones da sapiência com comportamentos reles e ignorantes, a morte dos últimos heróis, a censura a regressar como ameaça a quem pensa livremente, a cultura da morte, da exclusão, da ecranização, matando, aprisionando e cegando os seres humanos.
Nunca pensei que se abrisse a casa da democracia aos seus traidores e detratores, nunca pensei que fossemos alvo de tão grandes ultrajes, de tanta mesquinhez, de tanta estupidez.
Não sei o que ficará das memórias do presente. Alguém por certo virá cobrir de cal os mortos da última razão, da última resistência. A pós-memória pode ser um imenso prato vazio, um poço seco, um planeta reduzido a uma rocha perdida no espaço.
Alexandre Honrado
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