Crónica de Alexandre Honrado – Nos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos

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A maior aniquilação pode ser desencadeada numa grande cultura – é o que justifica a queda de grandes edificações culturais de outrora, persas, gregos, romanos, outros que se reduziram a uma insignificância do que tinham sido, pelo simples erro de se autodestruírem.

Pensei nisto à saída do Museu do Oriente onde participei, com alegria, numa festa muito especial: a evocação do dia 10 de Dezembro, Dia dos Direitos Humanos, sessão comemorativa do 70º Aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Reuniu este acontecimento um punhado de gente boa, com princípios e ideias inflexíveis de equidade e proximidade entre os seres humanos; houve espetáculo e oradores, e foi com um especial carinho que ouvi o Presidente Jorge Sampaio e com muita saudade assisti à evocação-homenagem a António Arnaut, o Homem que levou a ideia dos Direitos Humanos ao coração de um dos mais preciosos direitos que nunca nos devia ser negado: a saúde – que hoje é cada vez mais um negócio e uma segregação, que se revela entre ricos e pobres, beneficiando de modo aviltante os primeiros e esquecendo miseravelmente, como sempre, os segundos.

Jorge Sampaio sublinha que “nada está garantido e, mesmo se desde 1948 a declaração foi completada com inúmeras convenções, protocolos, planos de ação e agendas que permitiram avanços significativos, assiste-se hoje a uma perigosa evolução tendente não só a desvalorizar o sistema multilateral que tem assegurado o progresso na realização dos Direitos Humanos, mas também a desacreditar os próprios direitos e o princípio da sua universalidade, inalienabilidade e inviolabilidade. A celebração deste septuagésimo aniversário deveria ser uma ocasião para lançar um alerta vermelho e ao mesmo tempo ser um grito de alerta”.

Por caricatura ou coincidência, quando abandonei o anfiteatro do Museu do Oriente e já na rua vi um cartaz insultuoso de um punhado de arruaceiros, que há de ter custado uma pequena fortuna pelo tamanho e aparato: nele saudava-se exatamente o que os Direitos Humanos opõem, festejando a vitória daquele sujeito das espingardas, o brasileiro, e reclamando o seu exemplo para o futuro do nosso país. Pobre do povo que pede para ser reprimido só porque anda perdido no labirinto onde confunde as suas mais dignas liberdades.

Cada um de nós é um caso específico de um conceito universal. Esta frase, que me soa há anos dentro da cabeça mas sobretudo no agir quotidiano, não é minha. Ia jurar que a li, ainda adolescente, numa obra de Sartre, mas, mais coisa menos coisa, ficou por aqui a acompanhar-me como um amigo. Tirando toda a carga mais pesada da interpretação, ela traduz somente que somos mais parecidos do que distintos, apesar de sermos indivíduo, que se traduz em ações individuais e que confunde individuação como forma personalizada de afirmação.

Parece que tudo o que é bom, jubilante e esperançoso ocupa cada vez mais um recanto obscuro. A menos que se lute pela luz que ainda temos e pelos Direitos que nos tornam realmente Humanos. As forças agora alinhadas contra os valores humanísticos são múltiplas, disse há tempos George Steiner. Mas esses valores são fortes e profundos e talvez consigamos restaurar os mais importantes da civilização ocidental se não desvalorizarmos, dia a dia, o muito que há ainda por fazer e consagrar.

Num mundo onde parecem crescer todos os dias e de forma absurda o nacional populismo, o fascismo, os regimes comunistas capitalistas, a corrupção de valores e das liberdades, somos ainda a imensa maioria: a imensa maioria dos que sofrem as más decisões que permitimos.

 

Alexandre Honrado

Historiador

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