Crónica de Alexandre Honrado
Natal
Tudo o que (nos) transcende tem esse aplicativo, o de ir para lá do humano, e ao ser assim deixa-nos à distância certa do que conseguimos compreender e da compreensão confusa em que nos perdemos. Somos a mancha de cor que se adivinha na névoa a cerrar-se nos seus silêncios teimosos e assustadores.
O segmento de tempo que teimamos em viver, ano após ano, nesta mesma época, desejando com mais ou menos sinceridade coisas de prosperidade e paz, se não nos torna mais humanos pelo menos permite-nos a imitação de um rosto idealizado, mais tolerante e digno, menos ódio quotidiano e mais utopia de um futuro que, se assim o entendêssemos e quiséssemos, podia ser de todos nós, toque a um tempo melhor deste mundo que, a vários títulos, não podia ser melhor.
Perdemos, em tantos passos, a perceção do humano. Deixámo-lo para áreas que desejamos estruturantes, mas que são, afinal, distantes do que vivemos quotidianamente.
Somos o passo trôpego – devíamos ser a caminhada leve.
Somos a distopia – trocada pelas mais agradáveis utopias.
Estabelecemos relações tensas – e devíamos ser as mãos que afagam, recíprocas.
Tenho saudades do menino crédulo que se perdia nas muitas luzes da árvore de Natal. O mesmo que olhava as figuras do presépio sabendo segredos da sua transcendência.
Tenho saudades de mim ao ver-me assim, a afastar-me, já sem olhar para trás.
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