Crónica de Alexandre Honrado
Margens opostas, tempos de asfixia
Há frases tortuosas que me torturam, saem de livros e de outras impressões e perseguem-me como inimigos cruéis a quem procuro dar combate, eu que sou por natureza (apenas) combatente de guerras destas, ideias contra ideias como gládios de velhos romanos, avós perdidos no tempo e na razão.
Gosto de ler autores incómodos, pelo que não me posso depois queixar. É o caso de Jean Dubuffet, que tem um apelido impagável, desses que me inspiram sarcásticos comentários, mas que diria ele do meu próprio que, em terra de cegos faz penosamente jus à exceção que carrega?
Dubuffet escreveu textos incómodos, reforço. Todavia não era escritor, mas pintor. Um pintor de coloridos atrevidos, de linhas sinuosas – diria: tortuosas – ainda mais atrevidas e de uma interpretação do mundo para lá de alguns atrevimentos.
Jean Philippe Arthur Dubuffet, francês, o primeiro teórico da arte bruta, assim mesmo chamada e com razão. Acrescentou à obra pictórica o ser autor de vigorosas críticas da cultura dominante, particularmente no seu ensaio Asfixiante cultura. Obra onde me deixei provocar, reagindo aos saltos. É que Dubuffet afirma a dado passo que O homem de cultura está tão longe do artista como o historiador do homem de ação. Depois de acalmar, acabo por entender. Dubuffet olha criticamente a cultura institucionalizada, publicitária, afinal a dominante, por vezes tão inculta que já nem a notamos.
Aos artistas resta o lado mais distante do vale, a outra margem do lago, a muitos quilómetros do homem de cultura. Quanto ao historiador anda muito embaraçado pela realidade. Numa teia de aranhas e rodeado de animais muito venenosos, faz um esforço sobre-humano para entender a história. E para dar alguma mobilidade às suas ideias apertadas em reticências e conceitos dominantes. Vivemos a asfixiante cultura, mas não me apetece concordar com Dubuffet.
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