Crónica de Alexandre Honrado
Longos caminhos nas trevas percorridos
É longo o caminho, difícil a travessia. Pelo meio há figuras icónicas, é sabido, mas são as gentes anónimas, as que morrem e ficam abandonadas à margem da estrada sem nunca terem mostrado que têm nome e valor, são essas as que fazem, na sombra, a história dos países e do mundo.
As embarcações cheias de refugiados que nunca chegam a porto seguro, os escravos que não conheceram o abolicionismo, a verdade que ficou por dominar perante a mentira das promessas de liberdade e de prosperidade que enviesaram o sistema, a fome dos filhos sempre mais dura e triste que a fome de qualquer pai já sem força. São também longos caminhos.
Os corpos nas prisões, os campos de concentração, o sexismo, o racismo, o ódio, pedras de dor nos pés descalços da história, testemunhos de barbárie, de violência que ficaram nos recantos da memória.
O terror e a dor maior de transformá-lo nos calos de uma indiferença aterrorizante.
Os fuzilamentos, o genocídio, as guerras que são sempre o triunfalismo de vencedores derrotados e indesculpáveis. É muito longo o caminho. Vemos no mapa de cada dia como se reduz a fronteiras rombas, onde os filhos da sorte são munidos de estados críticos e de atrocidades, sem legados de posse ou valores morais, apenas desvalidos sem alternativa. A vala comum da existência coletiva.
O planeta morre sem a gratidão dos mortos que, todavia, lhe era devida.
As vidas coloridas importam – devia ser o slogan escrito nas paredes que perdem a cor a cada momento, mesmo debaixo do fogo incoerente dos grafitos.
Implora-se pela vida, pelo fio de ar de cada dia, enquanto a asfixia agrada a alguns que nos contemplam e surdos ignoram os protestos que persistem.
Alguma coisa deve haver neste caminho, nesta travessia. Talvez um trilho de esperança, uma canção vigilante, uma última flor pela qual valha a pena lutar.
Alexandre Honrado
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