ISABEL A CATÓLICA
O PODER DA SERVA DE DEUS
Foram tímidas mas intensas as vozes que me chegaram depois de ter publicado aqui o meu último texto. Muitos cumprimentaram-me, sem aquele calor que dá ao escriba o maior estímulo, talvez porque, nos tempos que correm, a emissão de débeis juízos de valor é a forma espartana e caricatural da opinião, e para se opinar é preciso mais do que ler o título ou dar palmadinhas nas costas, estas por sinal bem amigáveis… Mas dois (ou três) leitores insistiram para que eu continuasse no caminho desta narrativa. Cá estou, para agradar a esses dois (ou três) leitores.
A filha de Isabel de Portugal – e de João II de Castela -, também Isabel, tornou-se rainha de Castela e uma das figuras mais intensas da história do país vizinho. Seria, além de Rainha de Castela, também de Leão, de 1474 até sua morte, além de Rainha Consorte de Aragão a partir de 1479 e Imperatriz titular do Império Bizantino de 1502 (até à sua morte).
Nasceu em Madrigal de las Altas Torres, não muito longe do lugar onde poucos anos mais tarde (em 1515) nasceria a famosa Teresa de Ávila. Isabel viu a luz do dia em 22 de abril de 1451 e viria a morrer em Medina del Campo, na província de Valladolid, a 26 de novembro de 1504.
O seu casamento com Fernando de Aragão reforçou a força desta mulher, rodeada pela polémica desde o seu nascimento, mas indubitavelmente determinada e muito inteligente, cuja vontade maior – que se sobrepunha a agradar ao seu Deus e à sua fé que tanto defendia- , era a de conquistar o ambicionado troféu do poder, arrebatando-o a outra candidata – Joana, abusivamente apelidada “Beltraneja”, que acabaria por ser quase banida da História e votada ao esquecimento.
Isabel a Católica foi uma estratega e uma monarca inflexível. E o cognome a Católica define o caminho que percorreu: numa Cristandade (era assim o nome da Europa) fechada pelo intenso punho da religião, Isabel era, para lá de devota, uma serva intensa, cumpridora e protagonista das mais duras orientações de Roma. Refira-se que desde 1974 a Igreja Católica reconhece-a como Serva de Deus, o melhor título na aparente impossibilidade de torna-la beata.
Em 1951, ao celebrar-se o quinto centenário do seu nascimento, o arcebispo de Valladolid José García y Goldaraz começou a desenvolver todos os esforços para iniciar o processo da sua beatificação.
Tendo Gaetano Cicognani, o antigo núncio em Espanha visitado o Reino de Espanha por essa altura, Goldaraz apresentou-lhe a ideia, que teve luz verde. Sete anos depois, sob a tutela do arcebispo, começou-se finalmente o processo de beatificação da rainha castelhana.
De acordo com as normas da Igreja católica, estes processos devem partir das dioceses onde se produziu o falecimento da pessoa em causa.
Foi mobilizada então uma equipa importante de historiadores que ficaram incumbidos de redigir estudos, o mais pormenorizados e amplos possíveis, que registassem a vida de Isabel – mesmo os pontos considerados mais conflituosos. Mais tarde, o esforço desse trabalho seria levado ao Tribunal Diocesano: vinte e sete volumes, milhares de páginas!
As opiniões dividiram-se, logo a começar nos historiadores: muita da vida de Isabel impedia a sua beatificação. Mas, mais escandaloso, foi verificar que alguns documentos que a interditavam tinham desaparecido, em especial os que registavam detalhes de como chegara ao poder, isto é, como ascendera ao trono de Castela.
Curiosamente, o processo não foi encerrado e corre até aos nossos dias – não será alheio a este interesse o apoio económico do empresário mexicano Pablo Diaz, que investe para que se continue até à beatificação final. Corre também o boato de que o Vaticano se tem deixado influenciar por um poderoso grupo de opinião judeu, radicalmente contrário a esta causa, por razões de que poderei falar…mais tarde.
Se os meus dois amigos insistirem, voltarei à história e à História para a semana. Mesmo que seja só para dois (ou três) leitores.
Alexandre Honrado
Historiador
Grato, Dr., deve continuar.
É sempre um prazer ler as suas crónicas com pormenores de verdade.
Cumprimentos.