Crónica de Alexandre Honrado
Eleições — A travessia do canal do soez (soez, sim, não é gralha)
Os candidatos não são maus. São reflexos. Alguns são mal-educados e outros ordinários, repulsivos, de uma falta enorme de ética, cultura, tento na língua. Alguns enganaram-se na porta e entraram na porta do açougueiro e deram-lhe a mão, não suspeitando que em breve ele os tomará como enchido, carne moída, bifana ou fressura.
Ouvi há dias o filho de um dos candidatos, que creio ter uns seis anos, ou próximo disso, a falar melhor e mais acertadamente do que um “cabeça de lista” que é opositor do pai. Isso faz-me acreditar no futuro, acreditem. (A repetição do verbo é intencional).
Muitos deles, dos candidatos, contradizem-se, muitos são os que mentem. Os que dizem coisas sem fundamento, proferem palavrões e palavreado, são soezes e até não sabem o que esta palavra significa (não será por isso que não permanecerá em título e no texto; é pedagógico). Os mentirosos são pródigos em promessas que nunca cumprirão. Arrastam argumentos sem a menor pudícia, falam das suas cuecas sem pudor, e destilam ódio como quem rebenta borbulhas de pus na via pública. Esse ódio tem sempre a composição do excremento tradicional: sexismo, racismo, xenofobia, homofobia, apelo à violência, à exclusão, à repressão, enfim, os chavões dos mais cobardes. São gente fora da lei, fora da constituição, fora da razão – e que dizem vir limpar, quando são fezes ambulantes, que nem em frasco para análise fazem justificar a existência. Dizem-se contra o regime e são parasitas singulares do mesmo regime. Apontam o dedo à democracia que é, afinal, o único regime capaz de tolerá-los, pois a tolerância, que por vezes traz dissabores, é um dos seus atributos mais consolidados.
Há também a velharia, gente derrotada à espera da possibilidade de um regresso. Saem das campas ou das sarjetas da história e desafinam no coro da desgraça. Mandam sempre os mesmos recados, acusam sempre os suspeitos do costume; adoravam acordar no tempo em que a única primavera era Marcelista e dava cardos e espinhos numa estação construída à sombra. Não são do tempo da outra senhora, infelizmente são do tempo do outro senhor de vistas curtas.
Há ainda o que nos trouxe a esta crise, que agora não comenta. Mas esse há muitos anos que é candidato e lá se safa entre tiques e gaguejos.
Os candidatos não são maus. São reflexos de nós todos. Somos nós, que os permitimos na sua mais absurda emancipação, que os deixámos crescer como no ovo da serpente onde se vê o que virá, sem tomar precauções contra a venenosa existência das criaturas nojentas e nocivas. A peçonha com direito à vida? O que vai para aí de colmilhos afiados!
Maus, somos nós — os que nos gabamos de nunca ter votado e que falamos “deles” como se fossem entidades raras e obscuras.
Maus somos nós que não gostamos da nossa terra — “isto só neste país”, dizem os mais tolos —, nem de nós, nem dos outros, e que nos sentamos na pedrinha a dizer mal de todos e cada qual.
Maus somos nós, que temos vasos nas varandas e os atiramos à cabeça dos outros, tendo pouco na cabeça, nada no coração, entre mãos a raiva do assassino e a prática do criminoso no gesto tresloucado — e, ainda por cima, a triste ignorância de todas as flores que desrespeitamos.
Alexandre Honrado
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