Crónica de Alexandre Honrado
Conto de Natal
“Era uma vez… Era uma vez a minha pessoa, pequena e cheia de sonhos, que se chegava ao Natal em bicos de pés, a perguntar com os olhos: será que há uma prenda para mim?
Mais do que gostar de prendas, eu gostava das histórias da avó Ana.
Eu nasci há tantos anos que nessa altura as histórias tinham mais valor: as pessoas contavam-nas com um grande respeito. A música de Natal já andava pelo ar, as pessoas sabiam canções de cor e eu achava que o mundo era maravilhoso, maravilhoso e verde como um pinheiro…, maravilhoso e colorido como um pinheiro enfeitado. A minha avó Ana pegava-me com a delicadeza das palavras. Pegava ao colo o meu silêncio e enchia-me de sons maravilhosos: tinha, ela também, o dom de dar voz às palavras. E dizia-me: sê igual a ti próprio. E sê corajoso. E enche o teu saco de vida com mãos cheias de esperança, pois vais precisar dela. E eu não entendia o que ela dizia… História, avó, então a história?… E ela pensava, pensava, e contava. Como eu conto agora. Esperem só um bocadinho…
Era uma vez a história que a minha avó Ana me contava, sentando os meus silêncios no colo das suas palavras mágicas. Ela dizia: há muitos anos havia uma terra de meninos tristes. Olhavam para o céu e não contavam estrelas, porque não há céu com estrelas na terra dos meninos tristes. Nessa terra, havia um lago de lágrimas salgadas e um rio de choro, e um céu pesado como chumbo. E até os sinos tocavam como se chorassem.
Na terra dos meninos tristes havia um menino cheio de sonhos. Ele encostava o ouvido ao parapeito da noite e perguntava à escuridão se não tinha uma palavra de alegria para dar-lhe. E a escuridão escondia-se nas nuvens negras da sua vergonha. Mas o menino não desistia. Todas as noites voltava, encostava o ouvido ao parapeito da noite e suspirava:
Será que um dia nascerá o Sol na terra dos meninos tristes?
Era uma vez a história da minha avó e dentro da história havia uma terra de meninos tristes e dentro da terra dos meninos tristes um menino encostava o seu ouvido, desejoso de ouvir um sorriso qualquer. Um dia o menino subiu ao alto de um monte escuro da terra dos meninos tristes e perguntou às aves negras que passavam se um dia haveria risos e mistérios novos na terra dos meninos tristes. – Quero saber – disse ele – se vamos deixar de andar descalços, se vamos ter roupa a esconder-nos do frio, se vamos ter pão e sonhos sobre a mesa? As aves, que pareciam pedras no céu, fugiram para longe. E o menino desceu do monte para descer a um fundo abismo. Lá em baixo, viu peixes escuros que nadavam e perguntou: – Será que um dia os meninos tristes deixarão este lugar? Ou ficarão cá para transformar a sua terra?
Ele perguntou, mas os peixes nadaram para longe…
Era uma vez um menino que vivia na terra dos meninos tristes. Um menino que um dia se sentou a pensar. Por mais que queira, pensou ele, não consigo ser um menino triste. Não sou igual a ninguém, sou igual a mim próprio. Não tenho medo da tristeza, sou corajoso. E depois de pensar nisso, o menino encheu um saco de vida com mãos cheias de esperança.
O resultado foi maravilhoso. Deu voz às suas palavras e levou-as a outros meninos e de repente a terra dos meninos tristes tinha risos e sorrisos e gargalhadas e começaram juntos a transformar a sua terra. Hoje já não andam descalços, e comem pão todos os dias, têm agasalhos e até dizem que, ali, mora o Natal.
Obrigado avó Ana, dizia eu no fim da história.”
Alexandre Honrado
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