Crónica de Alexandre Honrado
Como um gelado se lê
Nem o verão interrompe as tarefas, mas cá estou, entre elas, entre as tarefas, a procurar espaço e sombras paras as leituras, algumas até muito ensolaradas.
Escrever, minha paixão, talvez resulte desses tantos e enormes enamoramentos com a leitura.
Por identificação, acabo por tirar da prateleira da livraria uma obra de humor inteligente. Sem inteligência o humor é mais uma stand up comedy de criaturas sentadas.
Confesso que me identifiquei com a obra, e então trouxe-a bem agarrada, embora não corresse o perigo de vê-la disputada por outro candidato ao prazer intelectual do estio. Não se mata facilmente por um livro, penso e sigo em frente, empunhando o meu troféu, fazendo negaças a quem passa, é meu, é meu, mas não há quem me entenda ou reprima. É a sensação de dizer o que nos apetece, sem correr o risco de levar com o peso de um contraditório qualquer que nos iniba.
É meu! Corro para casa.
Para além do resto sou professor e de matérias assim, como as que ocupam Elizabeth Finch, a personagem em torno da qual este romance gravita. De tal forma que é esse mesmo o nome da obra. Elizabeth Finch. Escrita por Julien Barnes, Romande vencedor do Man Booker Prize de 2011.
Parece que foi há um século, tanto se passou no mundo nos 11 anos seguintes.
Elizabeth, a personagem, dizia eu, dá aulas de Cultura e Civilização. Dessas que deixam a tremer alguns alunos e os maus intérpretes do que as matérias contidas podem subentender. Está na moda temer as revelações, os enormes horizontes que a cultura teima em desvelar.
Por tudo isso, e ainda bem, a professora Elizabeth vai irritar uns, intimidar outros, apaixonar alguns, poucos mas bons.
O seu método de ensino é o melhor: permitir aos alunos pensarem pelas próprias cabeças, terem e desenvolverem ideias próprias. Coisa perigosa nos tempos que correm. Ora acontece à professora Elizabeth o inevitável: morre. E a sua herança é este romance, um saboroso caminhar pela filosofia, pela história e pelo pensamento – que se não for livre e nosso, nega-nos o humor, a emoção, o que é o mesmo que dizer: nega-nos a vida.
Elizabete Finche, traduzido por Salvato Teles de Menezes, para ler como quem come gelados ou se refresca.
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