Por que raio se legisla tanto em Portugal?
por Nuno Cardoso Ribeiro
Foi publicada no dia 4 de Novembro a Lei 65/2020 que estabelece as condições em que o tribunal pode decretar a residência alternada do filho em caso de divórcio ou separação. Trata-se do culminar de um processo legislativo em cuja origem esteve o propósito de estabelecer a residência alternada dos filhos como regime legal preferencial.
Com o desenrolar dos trabalhos parlamentares, porém, alguns grupos parlamentares terão recuado e o objetivo inicial acabou por ser abandonado. Curial seria, pois, que nenhuma alteração legislativa viesse a resultar dos trabalhos da comissão parlamentar constituída para o efeito, já que o propósito original de introduzir inovações nesta matéria deixou de existir.
Não foi, porém, assim. Os nossos deputados gostam de legislar, mesmo que o façam sem qualquer proveito visível. E assim sucedeu neste caso.
Esta Lei veio aditar ao art. 1906º do Código Civil uma nova norma onde se lê:
“Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos”
Ora, como já referi noutro artigo que publiquei noutro jornal, os tribunais não fazem já depender a residência alternada de acordo dos progenitores. O mesmo é dizer que a menção expressa, na lei, à possibilidade de fixação da residência alternada nada acrescenta ao atual quadro normativo. Os nossos tribunais já fixavam residências alternadas todos os dias, de norte a sul do pais, e não o faziam depender de qualquer acordo.
Para além da menção à residência alternada, aquela norma alude também à possibilidade de fixação de uma pensão de alimentos em casos de residência alternada. Mais uma vez, a lei nova nada veio acrescentar. A possibilidade de fixação de uma pensão de alimentos nos casos em que os filhos permanecem idêntico períodos de tempo com o pai e a mãe já decorre das regras aplicáveis na matéria.
Por fim, o nosso legislador previu ainda que a criança terá de ser ouvida pelo tribunal nos termos já previstos…noutro diploma legal (!) Também aqui, pois, nada de novo.
Dir-se-ia que a Lei 65/2020 não passa de um exercício de futilidade, não fora dar-se o caso de, ao menos, um singelo mérito lhe dever ser reconhecido. É que o Código Civil passa a conter uma referência expressa à residência alternada dos filhos que, até aqui, não existia. Saber se esta é razão bastante para alterar um diploma legal com a relevância e centralidade que assume o Código no ordenamento jurídico nacional, é outra questão.
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