O regresso das crianças às creches
por Nuno Cardoso Ribeiro
A pandemia não foi ainda debelada. Continua a ser um risco para todos nós, e também para as crianças, apesar de estas serem, ao que se sabe, menos suscetíveis de contrair a doença. É certo que alguns médicos e cientistas vêm alertando para o risco de os mais jovens desenvolverem sintomas similares aos do síndrome de Kawasaki na sequência de um contágio por coronavirus, mas existem ainda poucas certezas.
Compreensivelmente, muitos pais hesitam relativamente à decisão de enviar os filhos para as creches e infantários ou retê-los em casa por mais algum tempo.
Estes litígios já chegaram aos nossos tribunais. Um dos progenitores entende que o risco é diminuto e que as crianças necessitam de socialização e das aprendizagens, advogando o regresso, e o outro entende que ainda é cedo, que o risco é significativo, e que pode assegurar os cuidados do filho em casa
Ora, em caso de divórcio ou separação dos pais, as decisões mais importantes atinentes à vida dos filhos, designadas questões de particular importância, são decididas por ambos os progenitores. Trata-se da regra do exercício conjunto das responsabilidades parentais consagrada no art. 1906º do Código Civil. Em circunstâncias normais, porém, o retomar do ano letivo no estabelecimento que a criança já frequentava no ano anterior, não constitui questão de particular importância, pois a decisão de ingresso naquele estabelecimento foi já tomada no pretérito. Nas atuais circunstâncias, porém, estamos em crer que não poderá ser assim.
A decisão de regresso à creche ou jardim de infância implica agora um risco acrescido para a saúde, quer da própria criança, quer dos seus familiares, e é legítimo que um dos progenitores questione tal regresso, sabendo-se que não está em causa o ensino obrigatório. A decisão poderá, aliás, ser especialmente melindrosa se a criança padecer já de alguma condição clínica que a torne mais vulnerável à Covid-19 ou coabitar com idosos – avós, por exemplo – ou outras pessoas também particularmente vulneráveis.
Assim, estamos em crer que o regresso à creche ou equipamento pré-escolar constitui agora uma questão de particular importância que deverá obter o consenso de ambos os progenitores, em caso de separação ou divórcio. Não existindo acordo, a decisão será tomada pelos tribunais. Caber-lhes-á avaliar, em concreto, o risco potencial de regresso à nas diversas situações que lhes sejam colocadas, de acordo com os dados científicos que venham, entretanto, a ser divulgados, e o particular circunstancialismo familiar de cada criança e suas vulnerabilidades.
Em princípio, e tendo em conta os reconhecidos benefícios da educação pré-escolar, a decisão do tribunal deverá ser a de autorizar o regresso à creche. Só não será assim se razões ponderosas recomendarem mais cautela, como sucederá no caso de a criança padecer de alguma patologia que a torne mais vulnerável em caso de contágio, ou sempre que ela coabite com algum familiar nessa condição.
A decisão há de ser, em qualquer caso, a que melhor corresponda ao superior interesse da criança, critério e limite das decisões dos tribunais de família e menores, e poderá suceder que nem sempre o regresso à escola constitua a melhor solução para todos os casos.
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