O fim da união de facto e a casa de família
por Nuno Cardoso Ribeiro
O período de confinamento que atravessámos motivou muitas separações. Relações que já atravessavam períodos difíceis atingiram um ponto de rutura com as famílias confinadas no mesmo espaço por um longo período, muitas vezes acumulando teletrabalho com o cuidado dos filhos e as tarefas domésticas.
Ora, nos casos de fim da união de facto coloca-se a questão de saber qual dos membros do casal ficará a residir na casa de morada de família e qual deles terá de sair.
A questão é especialmente relevante neste tempo de crise económica que atravessamos, cujos efeitos e extensão totais ainda não estamos em condições de avaliar. Muitas pessoas serão colocadas em situação de fragilidade económica, assumindo a habitação especial relevância neste contexto.
A casa de morada de família poderá ser um bem próprio de um dos membros do casal, poderá ser um bem de ambos, em regime de compropriedade, ou poderá ser arrendada. Em qualquer dos casos, ela poderá ser atribuída a um ou a outro dos unidos de facto. Sim, a casa poderá ser atribuída àquele que não é o seu proprietário.
Na eventualidade de acordo, o destino da habitação será aquele que lhe for dado pelo casal. Porém, em caso de litígio, a questão terá de ser solucionada pelo tribunal. E quais são, então, os critérios que irão determinar a atribuição da casa de morada de família a um ou a outro dos membros do casal?
O tribunal irá, desde logo, atender ao interesse dos filhos. Significa isto que a solução resultante da sentença judicial será a que melhor acautelar o bem-estar dos filhos do casal, o que implicará, em muitos casos, que o pai ou a mãe com quem fiquem as crianças a residir será aquele a quem será também atribuída a residência de família.
Por outro lado, o tribunal irá equacionar a situação patrimonial de cada um dos membros do casal, ficando em vantagem, para este efeito, aquele cujas possibilidades de encontrar um novo local para fixar residência sejam menores, designadamente por ter um rendimento inferior ao do/a ex-companheiro/a.
Para além do bem-estar das crianças e da situação patrimonial de cada um dos elementos do ex-casal, o tribunal poderá ainda ter em conta outras circunstâncias que se mostrem atendíveis, como será o caso, por exemplo, de um deles ter ao seu dispor um outro local onde poderá fixar residência. A idade e estado de saúde de cada um, bem como a distância do imóvel relativamente aos locais de trabalho respetivos poderão também ser circunstâncias a que o tribunal poderá atender na sua decisão.
Como regra geral, podemos afirmar que, nesta equação, deverá ser beneficiado o membro do ex-casal que vive uma situação de maior fragilidade, nomeadamente económica.
Note-se ainda que, nos casos em que o imóvel constitui um bem próprio do/a companheiro/a, ou de um bem em compropriedade, a atribuição dará lugar, em princípio, ao pagamento de uma renda, cujo montante será fixado pelo tribunal.
Muitos pessoas vivem hoje situações económicas delicadas, e a circunstância de ficarem privadas de uma habitação poderá relega-las para situações de pobreza que porventura não serão fáceis de reverter no futuro. O mesmo é dizer que os tempos particularmente difíceis que atravessamos impõem um dever de especial cautela e ponderação aos nossos tribunais, pois as decisões tomadas hoje poderão assumir no futuro repercussões imprevisíveis.
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