Almanaque Legal | Nuno Cardoso Ribeiro – A Ordem dos Advogados não é um sindicato

A Ordem dos Advogados não é um sindicato
por Nuno Cardoso Ribeiro

 

Vigorou nos Açores até ao dia 16 de Maio um regime ilegal de detenção de todo aquele que aí chegasse vindo de fora do arquipélago. Os incautos visitantes eram detidos por 15 dias num hotel, sendo certo que os “estrangeiros”, i.e., quem não possuísse residência na região, ainda teriam de pagar a conta do “alojamento”(!). Ao que parece, a ninguém era oferecida a possibilidade de tomar um voo de regresso para o local de origem.

Isto seria mais ou menos a mesma coisa que deter quem tentasse viajar entre Lisboa e Mafra e, uma vez aí chegado, retê-lo 15 dias num hotel da região e apresentar-lhe a conta se não fosse residente no concelho …

Recentemente, um tribunal açoriano pôs fim a esta diatribe do Governo insular, fazendo ver aos responsáveis locais que o arquipélago, mesmo distante, ainda se encontra sujeito às leis gerais da República.

Vem isto a propósito do comunicado da Ordem dos Advogados que alertou para a inadmissível situação que se vivia à margem da lei nos Açores, saudando a iniciativa do advogado que apresentou o pedido de habeas corpus em representação do seu cliente, ilegalmente detido numa unidade hoteleira dos Açores. O tribunal decidiu favoravelmente o pedido e ordenou a libertação imediata do cidadão em causa, levando o Governo Regional a emendar a mão e acabando por pôr fim ao regime de exceção que se vivia nas ilhas.

LEIOs tempos que se vivem na advocacia são, porém, conturbados e o comunicado foi recebido com alguma indiferença pela classe, argumentando-se que melhor seria se os responsáveis da Ordem se preocupassem com os verdadeiros problemas que afligem os advogados.

Ora, e na realidade, a tremenda crise económica que já se faz sentir e cuja extensão ainda não estamos em condições de antecipar na totalidade, justifica um especial cuidado da Ordem dos Advogados com a proteção e bem-estar dos advogados. Na verdade, a crise também a nós atinge, e os próximos tempos avizinham-se sombrios, esperando-se da Ordem especial atenção com os colegas mais atingidos pela crise económica, tanto mais que, inexplicavelmente, os advogados têm sido sistematicamente esquecidos pelo Governo em matéria de apoios estatais.

O período difícil que atravessamos, todavia, não nos deve fazer esquecer que, pesem embora as dificuldades, a missão primeira de um advogado é a defesa da legalidade democrática e dos direitos, liberdades e garantias constitucionais dos cidadãos. É esta, e terá de ser sempre esta também, a tarefa primeira da Ordem dos Advogados: garantir que os advogados, servidores indispensáveis da Justiça, mantêm condições, designadamente de independência no exercício da profissão, para garantir a defesa dos cidadãos, mormente perante os poderes públicos.

A Ordem, ao contrário de um sindicato, não pode nem deve servir apenas como grupo de pressão para servir as reivindicações laborais ou económicas da classe. A Ordem, servindo os advogados, serve também – ou sobretudo – toda a comunidade. É essa a sua raison d’être inalienável.

 

Nuno Cardoso Ribeiro
Licenciado em direito e pós-graduado em contencioso administrativo e em Direito das Crianças, Família e Sucessões , sendo também mediador, formador. É vogal da Direcção da Associação Projecto Jovem – IPSS dedicada à integração de jovens e adultos portadores de deficiência física ou motora.
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