Crónica de Alexandre Honrado

A LIBERDADE — está a passar por aqui?

A Liberdade – estado de estar livre dentro da sociedade do controle ou das restrições opressivas impostas pela autoridade – não é um conceito abstrato, nem romântico, nem uma utopia inalcançável. Sabemo-lo por experiência própria, já que vivemos num país, entre poucos, que consagra o estado de exceção, de liberdades civis, de liberdade política, social e íntima, que os tempos da barbárie tentam limitar. Esses limites, tão duros e assassinos no passado, voltam a ser, ainda que parcelarmente, uma ameaça no presente.

As garantias são suportadas pelo Direito. E o Direito está a mostrar-se um velho funâmbulo equilibrado só num pé atravessando os ares sobre uma fita de nastro meio apodrecida.

Abrimos portas e vemos grupos atarefados a criarem provas para depois abrirem processos e procurarem vítimas para a condenação. Para quem leu Kafka, esta técnica não é inovadora. É fácil fazermos uma mancha de lixívia na batinha de chita e dizer na esquadra mais próxima que estamos a ser alvo da mais despudorada selvajaria da sua vizinha de cima, que por acaso nem seca a roupa à janela. Mas até Deus e Job tiveram uma relação estranha e impactante em matéria de justiça — leia-se a Bíblia.

Talvez a preguiça nos tenha conduzido para um território ideológico lamacento, mais movediço que não assenta em ideias, mas onde a inércia, o ócio, a lassidão, nos têm impedido de estar presentes nas exigências de uma cidadania ativa — a única capaz de erguer o humanismo que os tempos nossos contemporâneos não só exigem como, de certa forma, merecem.

Vemos o pior da sociedade ter assento parlamentar e ganhar uma força que, vinda da escória, é sempre ameaçadora e repulsiva. Mas a Liberdade está a passar por aqui. Porque a História consagrou-a e tornou-a coisa nossa. Já fomos do tempo em que éramos um povo – somos agora o público. A diferença é que o povo saía à rua, em Liberdade. O público senta-se no sofá e por vezes nem o comando à distância lhe parece merecer um movimento.

Alexandre Honrado

Alexandre Honrado

Escritor, jornalista, guionista, dramaturgo, professor e investigador universitário, dedicando-se sobretudo ao Estudo da Ciência das Religiões e aos Estudos Culturais. Criou na segunda década do século XXI, com um grupo de sete cidadãos preocupados com a defesa dos valores humanistas, o Observatório para a Liberdade Religiosa. Dirige o Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos Humanistas para a Paz, integrado na área de Ciência das Religiões da ULHT Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa. É investigador do CLEPUL – Centro de Estudos Lusófonos e Europeus da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Gabinete MCCLA Mulheres, Cultura, Ciência, Letras e Artes da CIDH – Cátedra Infante D. Henrique para os Estudos Insulares Atlânticos da Globalização.

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